Clique

O fim da própria vida - por quê?

Ontem fiquei sabendo que o vizinho do prédio onde morei, no Rio de Janeiro, se suicidou. Era um senhor de idade avançada, já. Quais são as recordações que tenho dele? Troquei uma ou duas palavras, bom dia, boa tarde. Nunca vi ninguém com ele, ele era sozinho. E gostava de ouvir música clássica -- que sempre ouvia muito alto.

Ele cortou os dois pulsos e sangrou até morrer. Uma sensação do quente saindo do corpo, a vida. A alegria, provavelmente, ele já não sentia mais. Ir adormecendo, um sono forçado. Será que ele acreditava em vida após a morte? Não sei.

É a segunda vez que sei de alguém, perto de mim, que se suicida. Outra pessoa foi também um cara que conheci quando trabalhei como mesária nas eleições. Foi uma afinidade imediata, isso porque ele era apenas um votante. Lembro que ele era muito simpático. E lembro que as meninas que trabalharam comigo, na época, ficaram achando que ele era um bom partido para mim... mal sabiam elas. Lembro que trocamos emails e ele começou a periodicamente mandar poemas para mim. Não poemas de amor, claro... poemas muito sensíveis. Eu adoro conhecer poetas que escrevem com a alma e não com o ego.

Algum tempo depois, uma das meninas que trabalhou comigo me ligou para dizer apenas que ele tinha morrido.  Foi encontrado enforcado no quarto. Nessas horas é impressionante o mix de sentimentos que te invade... a primeira coisa que pensei foi: "por que não disse a ele que seus poemas eram lindos? Será que isso teria dado uma gota de alegria para que a vontade de viver dele não sumisse?"

Essa sensação de impotência diante do livre-arbítrio de alguém é muito mais pungente do que quando alguém lhe diz "não" na sua cara. Porque você sabe que essa atitude não tem volta. É a última palavra, o último ato de uma pessoa que -- nunca saberemos -- não tinha mais motivos para continuar viva.

Isso me lembra também um documentário que vi numa Mostra Internacional de anos atrás sobre a ponte Golden Gate, um dos locais preferidos dos suicidas. O relato mais comovente é o de um rapaz (se não me engano) que conseguiu sobreviver. Ele fraturou as pernas e vários ossos, mas sobreviveu. E a fala rasgante: "Quando você está caindo, você já se arrependeu. Mas não pode fazer nada."

Deixo minhas mais profundas orações para este senhor que sequer soube o nome. E o convite para celebrarmos a vida. Para fazermos aquilo que tivermos vontade de fazer. Para doar amor puro. Para abraçar quem precisar de um abraço. Para ouvir quem precisa falar. Para estar ao lado daqueles que estão solitários. Pode ser uma chance única: e nós nunca sabemos. Porque não cabe sabermos. Precisamos apenas agir: sem julgar, sem escolher. Como dizia o poeta Renato Russo: "precisamos [mesmo] amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque, na verdade, não há."

ps: Deja, obrigada por compartilhar seu texto (pessoal) comigo. Me inspirou a escrever este post.

E os dias...

Drying up in conversation,
You will be the one who cannot talk
All your insides fall to pieces
You just sit there wishing you could still make love.
They're the ones who'll hate you
When you think you've got the world all sussed out
They're the ones who'll spit at you
You will be the one screaming out.


Um minuto a mais

A gente perde tempo com tantas besteiras!!!

A gente perde tempo pensando no que poderia ter sido. No tempo que passou e todas as coisas que poderíamos ter feito. Nas coisas feitas que poderiam ter sido diferentes. Naquela chance que deveria ter sido aproveitada, mas foi deixada de lado por outra coisa que a gente nem lembra mais.

A gente perde tempo pensando num futuro cheio de idealizações perfeitas. E perde tempo achando que tudo deveria ser sempre perfeito. Perde tanto tempo tentando encaixar uma peça redonda num buraco quadrado, sem sequer se dar conta de que a peça certa está ali do lado, basta você olhar para o lado.

A gente perde tempo exigindo tantos itens. Porque a gente tem medo de sofrer... a gente quer a segurança daquilo que a gente conhece, isso não é errado! Errado é perder tempo congelando a própria vida deixando o rio caudaloso passar ao seu lado e sequer olhar para ele. Perder tempo com a mesquinhez egoísta do nosso "ponto de vista". Sem amor, sem empatia.

A gente perde tempo porque a gente não sabe perdoar. Nem aos outros, nem a nós mesmos. Eu acabei de ver uma foto sua e fiquei com vontade de te abraçar. Cara, eu sempre lembro de você com o carinho de uma irmã que deveria estar presente na minha vida para sempre. Por que você não está aqui para sempre? Por que você se foi assim, tão idiotamente, e eu -- mais idiota e tão orgulhosa -- não tenho coragem de lhe falar outra vez?

Eu apenas queria te dizer que você está linda com aquele casaco. Te disse em pensamento, tá?

Você quer recordar o que podia ter sido ou viver o que pode ser vivido?

80 dias é um filme que passou na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, no ano passado. E está passando novamente na Mostra Mix deste ano. Achei correndo, sem querer, na programação, li a sinopse e me encantei na hora. Vai passar mais algumas vezes ainda (a Mostra Mix vai até o dia 20/11) e quem quiser, vale muito a pena conferir.

Achei este site português cujo título da resenha dá título a este post: 80 dias é uma oportunidade para recordar o que podia ter sido. Entrou como faca quente no meu coração. E do que fala o filme? Trata de duas mulheres de 70 anos, que se reencontram depois de 50 anos, e percebem que mesmo depois de todo o tempo... há ainda algo entre elas.

Confesso que esperava um algo mais do roteiro, da direção... não sei bem dizer. O filme é cativante, mas ele meio que quaaase escorrega para uma narração pedante, sem brilho. Talvez falte uma certa objetividade no olhar do diretor. A câmera parece tremer bem como a história que é contada. Mas, apesar disso tudo, a beleza da história de Axun e Maite é linda.

Eu fui preparada para me emocionar e para chorar. E me emocionei e chorei. Estamos falando de duas mulheres de outro tempo, outra cultura, outra sociedade. A personagem de Axun traz aquela similaridade de muitas mulheres que têm o desejo pulsando mas o reprimem como se nada estivesse acontecendo. Apenas ao final, ela chora compulsivamente, em silêncio, sem dizer nada. E aquelas lágrimas são da despedida. Porque mesmo aos 70 anos, ela ainda precisa se despedir da promessa de viver um amor lésbico pleno.

Gostei muito de ver a terceira idade lésbica retratada, algo tão raro no cinema. Porque cansa sempre os mesmos rostinhos certinhos, plastificados, bonitinhos, forçando intimidade, sendo posers. Faz parte, mas confesso que me cansa. Ou então, os filmes lésbicos são sempre dramáticos, com fim trágico. Ou semi-eróticos muito mais para marmanjo se acabar do que para ser uma obra da sétima arte. O encanto de 80 dias está em esmiuçar o tempo que se passa por uma medida totalmente distante da que estamos acostumados.

E como todo bom filme precisa fazer, ficou a questão pairando: às vezes (como com Axun) você precisa esperar mais de 50 anos para ser quem você sempre soube que era. "Eu sei quem sou quando estou ao seu lado... (diz ela para Maite)". Mas, agora, não precisamos viver romances internéticos meteóricos que começam com uma teclada e terminam com um skype.  Tudo está mais descartável? Sim!!! Porém, a tentativa sempre será válida... para os puros e corajosos de coração. E volto ao título do blogue!