Há algum tempo que eu queria falar de bullying. Desde o caso Casey Heynes, que me emocionou demais, aos pequenos casos e à, infelizmente, essa tragédia que aconteceu em Realengo.
Eu fui vítima de bullying, durante a minha adolescência. Já falei algumas vezes neste blogue, mas agora este tópico será o texto central de um post. Falar de bullying atualmente é quase cair no clichê. Adolescência é um período foda (com o perdão da palavra): hormônios a solta que fazem um verdadeiro (quase) estrago na cabeça de um ser humano.
No meu caso, a intimidação ocorreu porque eu era (sou, aliás) JAPONESA. Acreditam? Ninguém acredita. Eu era a única japa da escola, a única do bairro e das redondezas, talvez. Mas, ao contrário do que parece, eu não sofri nada disso nas quatro escolas que estudei antes. Sim, eu mudei de escola várias vezes. Mesmo no bairro em Perus (onde meus pais moram) eu sofri tanta retaliação por ser japa (estudei da 5ª a 8ª série), ao contrário do que foi em Caieiras (onde fiz o Ensino Médio).
Eu sempre fui tímida e meio burrinha com as exatas. Nunca me encaixei no perfil de japa nerd, mestre das matemáticas e químicas da vida. Mas sempre fui exemplar em História, Geografia, Língua Inglesa, Língua Portuguesa e Literatura. Sempre gostei de escrever poemas. E ia bem nas aulas de Educação Artística.
Mas não sei o que aconteceu no segundo ano. Entre o segundo e o terceiro anos, um grupo de moleques me infernizou. E eu nunca consegui fazer com que parassem. Nem os professores, em suas estúpidas tentativas. Músicas ironizando o fato de eu ser japa foram criadas. Me viam e puxavam os olhos ou faziam sinal do clássico cumprimento japonês. Todo dia. Antes das aulas, nos intervalos das aulas. Dois anos inteiros assim.
Eu tinha vontade de dar tiros neles, de tanto ódio. Mas, contra todo o inimaginado, eu fiz o contrário. Sentava na primeira carteria, na frente da mesa do professor. Comecei a estudar como uma frenética, para ser sempre a primeira da turma, tirar as melhores notas, inclusive em química, física e matemática. Eu tive professores que eram muito pacientes comigo. E eles davam exercícios extras que garantiam pontos a mais na média final. Por isso, minhas médias acabavam sempre subindo.
E eu lembro que participava de tudo que era possível participar -- e sempre com mérito, para ser a melhor. Montei duas peças de teatro com minhas amigas, que ganharam a melhor nota e uma pequena "tour" em que encenávamos para outras turmas da escola. Participei de concurso de poesias, ganhando o primeiro lugar. Minha turma montou um time de futebol de salão feminino e nós fomos as campeãs, tendo eu marcado um dos gols da vitória, numa prorrogação suada, jogando ao meio-dia.
Os professores me adoravam, mas meus colegas que me cantavam em canções de sarcasmo, não.
Eu nunca falei disso para os meus pais, somente meus amigos na época sabiam disso. E eu me sentia muito mal. São situações totalmente opostas e nem quero me comparar com o menino da Austrália ou o cara de Realengo, porque nem tem como. Cada um reage da forma que pode de acordo com a violência que sofre.
Não sei porquê somos uma espécie que precisa tanto mostrar superioridade uns aos outros. A insegurança que alguns atingem fazem com que as consequências sejam mesmo catastróficas. Eu chorei muito ao ver todos os depoimentos das crianças que sobreviveram (dizem, e eu acredito, que o assassino sofreu bullying que foi um verdadeiro catalisador para a mente esquizofrênica que ele já devia ter). Chorei ao ver entrevistas de Heynes contando como viveu seu bullying.
Eu sei exatamente o que é sofrer um bullying. Se você nunca sofreu, sorte sua. Sorte sua por ter passado a adolescência bem. Se você sofreu e sobreviveu, sem sequelas -- como baixa auto-estima, neuroses e esquizofrenias: parabéns. Mas muita gente não tem uma estrutura familiar boa para suportar esse tipo de situação. Eu sempre disse que meu anjo da guarda pessoal sempre me deu muitas forças, nunca me fez chorar. Porém, como disse, nem todos passam fácil pelo teste, sejam pela quantidade de facilitadores ou complicadores.
Pena que eu não guardo saudades daquela época. Nem amigos dessa época restaram, o que é uma pena. Apenas sinto falta da professora Márcia que sempre lia os meus poemas e chorava muito. Saudade de estar sempre no topo das competições, das notas e dos concursos... num lugar onde aqueles idiotas que me zoavam nunca estiveram.
Infelizmente, como li no jornal O Globo de hoje, essa fatalidade de Realengo (assim como a de Columbine) não tem como prever. Sinto muito pelas crianças que se foram. No entanto, um aviso pode ser dado: o sistema educacional pode sim combater o bullying. Todo mundo sabe quando alguém está sofrendo esse tipo de assédio e só fazem vistas grossas. Se o sistema educacional não fosse apenas um reduto de professores malpagos, malformados, desmotivados e se os pedagogos e diretores, as secretarias de educação e todos os envolvidos se esforçassem o mínimo, de repente, nunca mais teríamos histórias assim. Perspectiva otimista demais?