Clique

2025: e lá vamos nós! Review de produções com temática lésbica

Resolvi começar 2025 fazendo algo que sempre gostei de fazer e tinha meio que deixado de lado: ver produções com temática lésbica.

Neste blogue, tem muitos posts sobre o tema (digite lésbica/lésbicas no buscador). Não de uma forma sistemática, organizada, constante... mas tem. A profusão de material é quase que infinita — é necessário dedicar (e ter!!!) muito tempo para conseguir acompanhar tudo.

Não tenho tempo... e não gosto de ficar vendo o que todo mundo vê. Isso já é um bom filtro. Também não curto séries com outro foco e que, por acaso, incluem um casal lésbico. Tudo bem, é legal de ver, por vezes, esse casal tem uma baita química e elas conduziriam a série sozinhas... mas não. Filmes com finais trágicos ou moralistas também não, já deu, embora hoje em dia quase não se veja mais isso. Só por aí, você já pode excluir uma imensa esmagadora quantidade de material e afunilar as opções.

Recentemente, streamings e produções independentes lançam seus trabalhos no YouTube. De graça, para qualquer pessoa poder ver. Isso eu acho fantástico! Mas filtrar coisas boas também é um trabalho de garimpo meticuloso. Nesse sentido, muitas produções cujas locações parecem casas em Alphaville, com decorações tiradas de exposições não rola. Não dá. Duas meninas de vinte e poucos que moram sozinhas nessas casas. Geração Z? Nepobaby? Isso é possível em que mundo? rs Quando começa assim sem verossimilhança não dá. Por mais que a nossa imaginação goste de ilusões de riqueza, tudo tem limite. Me causa um incômodo profundo, não importa quanta química haja entre as atrizes.

Então como escolher algo para investir seu tempo no meio de tanta oferta? Sorte.

O algoritmo do YouTube deu uma enlouquecida pelo fato de eu ter pesquisado links para o meu post temático de fim de ano. Muitas e muitas sugestões. A foto de capa já é um indício se vou com a cara ou não. Não tem como escolher de outra forma... é tiro no escuro, quase que literalmente.

Então, a seguir, listarei as produções que estão no YouTube e eu vi e recomendo aqui, caso a leitora também se sinta curiosa com minha review e queira conferir o trabalho! Por ordem de preferência, sempre.


1) Without (2019)

Este é velho, já vi incontáveis vezes, mas nunca tive oportunidade de escrever sobre ele devidamente.

Uma das atrizes protagonistas é a Elizabeth Lail que, nessa época, não era famosa ainda. Afinal, esse curta é um trabalho de faculdade. A história conta o encontro fortuito entre duas mulheres que começam a conversar no café de um hotel onde ambas estão hospedadas, cada uma por seu motivo pessoal. Ao longo da conversa, uma atração forte surge entre elas e elas acabam passando a noite juntas. Porém, uma delas está noiva e irá se casar em breve, o que impossibilitará elas poderem dar continuidade a esse encontro.

O curta tem 15 minutos e é de uma intensidade e delicadeza impressionantes, além de uma história, um recorte na vida de ambas, feito com precisão. A câmera com ofoco no rosto delas e nos detalhes das expressões faciais quando quase não há diálogos, apenas troca de olhares me toca profundamente.


2) Toute les deux (2021)

Um filme canadense que me chamou a atenção pelos comentários: "me prendeu do início ao fim". Raros fillmes conseguem fazer isso comigo, então achei válido dar uma chance. Só por isso! rs E se concretizou mesmo: o roteiro te prende, mas não te enrola!!!, porque ele conta uma história linear, que se passa em 10 dias. O que acontece nesse período é o que vemos no filme de 1h30 de duração.

Um marido ciumento contrata uma detetive particular para saber se a mulher dele o está traindo, porque ele tem certeza que está. Tema comum e superbatido — porém — o roteiro nos surpreende o tempo todo saindo dos clichês que temos certeza absoluta que vai acontecer: ah, o cara vai surtar e vai pegar algo no flagra; ah a protagonista vai errar; ah tal coisa vai acontecer. Nada disso acontece. Situações até meio bizarras sempre envoltas num humor que nós não estamos muito acostumados a rir (o filme é canadense).

A detetive fica atraída sexualmente pela investigada e resolver, literalmente e ainda mais, investir nela.E tudo o que a gente acha que vai acontecer, não acontece. Mas o fim (ambíguo, de certa forma) me deixou com a agradável sensação de que valeu ver o filme.


3) Omakase (2024)

Um curta de 26 minutos que se passa em Los Angeles que começa despretensioso e, praticamente, todo dentro de um restaurante que serve o famoso omakase (hoje em dia bem mais conhecido aqui no Brasil onde o menu dia é por conta do chef). A protagonista gosta de conhecer caras novos nesse restaurante porque ela gosta de comer lá e as reservas só podem ser feitas pra casal, nunca para uma pessoa só. Mas é isso, ela apenas conhece os caras para poder comer no restaurante. Não quer ter mais nada sério com eles.

Porém, a garçonete nota esse movimento da moça. E então, do nada, elas começam a falar em japonês! kkkk Achei muito surreal embora eu já tenha vivido boa parte da minha vida assim porque meus pais falavam japonês e misturava tudo entre frases em português e japonê e você que se vire para entender. Achei inusitado e fascinante. A conversa entre elas tem um tom intimista (muito além do proporcionado pelo fato de elas conseguirem se entender e ninguém ao redor não) e o final também me surpreendeu... embora eu esperasse um pouquinho a mais. Mas eu curti.


4) Unaligned (2019)

Gostei dos comentários e resolvi ver este curta de 29 minutos. A história conta o reencontro entre duas moças com uma distância etária considerável entre elas, contei talvez uns 10 anos. A mais velha foi babysitter da mais nova. E alguns anos depois, elas se reencontram, sem querer, em um café.

Desse encontro, surge uma atração forte que fazem elas ficarem juntas. E aí o negócio fica interessante porque se trata de uma relação meio maternal, certo? A diferença etária, as personalidades bem distintas, o fato de uma ser bissexual e a outra não... gera vários tipos de incômodos que todos nós já passamos um ou mais de um deles na vida. Daí vem o título do curta: desalinhado.

Nem sei se seria uma tentativa de questionar "o que é amor?". Não iria por aí, mas questiona o amor nas formas como nos conectamos e desconectamos das pessoas. Longe de ser um filme filosófico, ele gera incômodo. Ficou em quarto lugar porque achei a apresentação da narrativa e o roteiro um pouco confusos. Mas vale ver, pra quem gosta do tema.


Estou com um projeto pausado e, de repente, me dei conta de que está sendo muito bom poder dedicar um pouco de tempo para ver esse material, me inspirar em como os cineastas andam vendo as relações amorosas entre duas mulheres.

E, no fim, continua isso: nada mudou. Ano após ano, é sempre a mesma coisa. O amor continua sendo uma matéria invisível tão conhecida há milênios pelo ser humano... e, na verdade, não sabemos quase nada ainda dele. Eis a mais pura verdade. Parece que estamos andando em círculos. Uns ficam felizes de primeira com a primeira pessoa que conhecem. E esse casal fica junto pro resto da vida a dois. Já outros... nós, meros mortais menos afortunados, continuamos nossa eterna busca.

Espero ao longos dos próximos dias ver mais produções e, com sorte, escrever aqui para falar brevemente delas.

Até lá, FELIZ ANO NOVO a todos os leitores deste blogue!


Filmes lésbicos com temática natalina pra fechar 2024

Este ano quase não vi filmes.

Então, resolvi, na noite do dia 24 de dezembro colocar algum atraso em dia.

Eu sei que, anualmente, ao menos um filme com temática lésbica e natalina é lançado. Lembro que no ano passado vi bons filmes mesmo sem ter deixado registrado aqui.

Gosto muito de poder ver essa representatividade. Sim, lésbicas querem se ver retratadas na tela com filmes clichês repletos de historinhas que todos sabem como vai ser e como vai acabar. Ninguém está preocupada com isso, estamos interessadas em nos ver retratadas: algo que não tem preço.

Então, algumas empresas, em geral as de nicho mais restrito ou de streaming, investem aí. Filmes independentes, com baixo orçamento. Mas que a cada ano que passa aumenta a sua visibilidade.

A lista está aumentando.

O filme mais recente com atrizes famosas foi Happiest Season (2020) que no Brasil ficou como “Alguém avisa” (que título péssimo) com Kristen Stewart e Mackenzie Davis. Kristen deve ter se perguntado “que porra tô fazendo neste filme?” de tão ruim que é. Mas eu compreendo sua tentativa. O filme é clichê mas tem um péssimo fator: a ausência de química entre as atrizes. Mackenzie parecia não entender o privilégio de contracenar e poder beijar Kristen. Fazer o quê? O registro está feito e é eterno pra quem quiser ver.

Isso posto, vamos aos filmes que eu vi neste ano. Vou colocar por ordem de preferência.

 

1.   1. A New York Christmas Wedding (2020)

Este é o melhor desta leva por um motivo simples: a história me cativou profundamente. É uma história clichê que nos pega pelo menos uma vez na vida: se você tivesse a oportunidade de voltar atrás e começar tudo de novo, de outra forma, você aceitaria?

Muitas reviews caíram matando dizendo que a protagonista não tem química com outros atores, bem, esse povo não deve ver muito filme lésbico porque o que mais acontece (volte dois parágrafos) é isso. Raras são as vezes em que as atrizes conseguem ficar à vontade. Beijos técnicos, abraços técnicos, tudo técnico que se mostra frio demais e é óbvio que do outro lado a gente aqui vai perceber. 

Porém, este filme trata de um tema sensível para mim. A reflexão que fazemos (ou deveríamos fazer) sobre temas como: pensar em nós mesmas, autocuidado, perdão, arrependimento, escolhas erradas.

Deixo aqui dois destaques que me tiraram muitas lágrimas (foi único de todos os filmes que me fez chorar muito): a fala de Azrael “Love deeply, trust your heart and be brave”. E a música que toca quando sobe os créditos que está aqui no meu repeat one enquanto escrevo este post The Bells on Christmas cantada por Kelsy Madsen.

 

2.    2.Season of love (2019)

Os resumos dizem que este filme pretende ser uma versão lésbica de Love Actually. É... há uma tentativa. Por isso fica aqui em segundo lugar.

É um roteiro bem estruturado com várias histórias que se cruzam e todas elas mostram o amor em algum estágio dependendo da personagem.

A parte que sempre me pega é a mulher que é deixada sozinha no altar no dia do casamento. Tive um belo insight de vida nesse momento.

Não há antagonistas nem muitos mirabolantes nos clichês que esperamos ver. Mas a gente torce pelo casal principal (e menos chato) para que elas fiquem juntas ao final.

E tem uma cena, a mais engraçada do filme, em que pegam uma personagem para fazer uma menção que só poucas pessoas sabem correlacionar: a personagem surda, soldando um material, tocando Flashdance (olá, Jennifer Beals e Marlee Matlin).

 

3.    3. Last ExMas (2024)

Este foi um dos lançamentos para este ano. Conta a história bonitinha até de duas mocinhas que passam quase uma década longe da outra depois de viverem um amor adolescente que não deu certo porque elas eram (adivinhe) imaturas e cada uma tinha um objetivo de vida diferente.

Clássico clichê (de Natal em qualquer lugar que você procure, alguém vai usar esse clichê: nesta época do ano, as pessoas voltam para suas cidades natais e ali tudo pode acontecer, porque é o retorno ao passado, a uma família, a um amor deixado para trás ou para qualquer coisa que não ficou resolvida. Livros, filmes... todo mundo usa, inclusive o Happiest Season também usa essa premissa).

A historinha é bem contada, há uma razoável química entre as atrizes e há bastante tom cômico, o que é meio incomum de se ver. Dá vontade de rir mesmo que não seja engraçado (esquisito mas eu me senti assim).

Mas a gente comemora um fim onde as personagens amadurecem depois de muito bater a cabeça e sofrer boa parte do filme não querendo admitir o óbvio. A gente ama final feliz. Chega de ver lésbica morrendo ou sendo morta.

 

4.    4. The Holiday Club (2024)

O outro lançamento deste ano. Com a famosa (bem para o mainstream lésbico no cinema ela é para mim) Alexandra Swarens. Diretora, roteirista e atriz lésbica, ela tem feito muitas produções com esse cunho de mostrar o simples. Ainda não vi todos os trabalhos dela (ela sempre atua neles) mas já vi o Looking for her (tem aqui no YouTube) e City of trees todos filmes com temática natalina. Dentre esses, The Holiday Club é o mais fraco na minha opinião. A história é boa, mas muito confusa, não foi bem conduzida nem editada, tem muitos furos, muitos cortes abruptos, precisaria de uma baita edição ainda.

Será que ela está ficando sem história? Acho que não. Para mim, a ideia foi bem válida. Até achei que a outra atriz estava indo bem com ela, mas... sempre falta. Alexandra é lésbica então ela não precisa fazer esforço para convencer. Quem não é, e a pessoa não é boa atriz, sempre fica faltando algo.

Mas recomendo pela Alexandra e para prestigiar o trabalho dessa jovem cineasta lésbica.

 

Ainda falta um, mas é um filme de temática de ano novo, então vamos ver se acho outro torrent até lá.

De maneira geral, gosto de ver a forma como a oferta de filmes (não tenho mais paciência pra séries, sorry) para nós, lésbicas, tem aumentado. E quem reclama dos clichês é porque é a pessoa que mais os vive. Comemoremos os clichês. Comemoremos os filmes com finais felizes. Comemoremos testemunhar as personagens que ficaram a vida inteira teimando e, no filme, ela reconhece os erros, sabe como corrigi-los, sabe como mudar, faz tudo dar certo. Não é fácil assim não, gente, mas é sempre bom ver um filme que, por alguns intantes, nos faz crer que, sim, é possível!

Porque a grande questão desses filmes natalinos é: no Natal tudo é possível. Somos tomados pelo espírito natalino ou seja lá pelo que for e seus desejos podem se tornar realidade. Precisamos de um pouco disso, né?

E num piscar de olhos... 2024 se foi!

Se foi.

Voou.

Repleto de histórias. Reflexões. Pensamentos. E eles — muitos aprendizados!

Cá estava eu olhando as conversas arquivadas no WhatsApp. Olhando aquela lista com fotos de todas as mulheres com quem conversei e que, por algum motivo, a conversa não foi pra frente. E não ficou um tchau, um ponto final, uma última conversa. Não ficou nem o ghosting. Não ficou nada.

O que ficou?

O que fica?

Olhando para os nomes, para as fotos, para as conversas que ficaram paradas em um capítulo não finalizado, fico reflexiva. Dezembro é um mês de reflexão naturalmente para mim. Com a proximidade do Natal e do Ano Novo, eu fecho para balanço e penso no que quero para o meu futuro.

Mas foi inevitável uma sensação sem palavras ao ver tantas fotos. Porque houve um desejo genuíno de construir uma conexão. Eu não converso com as pessoas levianamente, ainda mais quando a gente se propõe a iniciar um contato através de um app. A maioria majoritária das pessoas pode desejar assim mas eu não. Sempre há um investimento de tempo, energia, mente, coração.

Acho que nunca esteve tão difícil fazer novos contatos.

Quando você escolhe determinados caminhos pessoais, quando você conhece alguém que trilha uma outra estrada completamente distinta... ela vai continuar ali. E você vai continuar aonde você está. E, no fim, tudo estará bem, porque tudo está como tem de estar. Não há determinismo. Não há destino. Não há acaso.

É sempre a gente que tenta fazer caber algo que não é para estar ali.

Mas, a despeito disso, para mim fica sempre a sensação de que "poderia ser diferente".  2023/2024 foram anos marcados pela entrada provisória de muita gente nova. Ainda sinto a ânsia de fazer bons contatos ao mesmo tempo que sinto uma imensa preguiça e cansaço para mantê-los. Essa ambiguidade por vezes me cansa... Porque vivo em um limiar ambíguo. E, ao final, afinal, tudo continua a mesma coisa.

Uma hora apagarei esses contatos em definitivo. Mas o fato de não tê-los apagado é porque ainda resta um restinho de sentimento que eu gostaria que tivesse sido um pouco diferente. Há os contatos apagados, deletados, bloqueados e que também continuam em minhas lembranças e, ocasionalmente, eu penso nessas pessoas. 

Uma coisa boa deste ano é que adentrei fundo em meu inconsciente. Era chegada a hora de limpar o porão. E você sempre se surpreende como sempre tem coisa pra jogar fora! Porque sempre tem.

Também estou aprofundando ainda mais meus estudos com a Halu Gamashi.

Acho que o único porém disso tudo... eu gostaria de poder voltar a sonhar. Quer dizer, eu tenho sonhado à noite. Não estou me referindo a isso. Mas aos sonhos-desejos.

Ao longo dos anos, parei de me permitir desejar algo por puro medo de ter minhas expectativas frustradas. A esta altura da minha vida, compreendi sonhar é uma decisão muito arriscada, porque ela (praticamente) nunca se concretiza. Muitas coisas que sequer sonhei se concretizaram. Então, tenho percebido que preciso alinhar essas duas pontas em mim. Talvez elas consigam se encontrar em um futuro não muito distante.

Desejar, sonhar... talvez seja um bom pedido para 2025.

Mas o que mais desejo para 2025 é que eu consiga identificar o momento de agir e o momento de silenciar. Ou como diria a frase...

Então, aos leitores do meu blogue, desejo que o ano de 2025 seja de muita coragem, foco, autoconsciência, autoconhecimento, sabedoria, paciência e amor. Porque será necessário tudo isso e muito mais para conseguir passar pelo Apocalipse com bons aprendizados e o mínimo de dor necessária. Ninguém precisa sentir dor para aprender (mesmo que esse seja um dos caminhos para a nossa redenção pessoal...)

Seguimos juntos!


(Vã) filosofia de uma alma (cansada)

Já faz um bom tempo que não escrevo — e não é apenas aqui.

Minha vida percorreu várias existências em segundos. 

Minha mente navegou várias lembranças em minutos.

Meu corpo existiu e deixou de existir em um piscar de olhos.

Estamos, aqui, no meio do segundo semestre de 2024. O planeta Terra sendo massivamente destruído. Os seres humanos ensandecidos destruindo a si mesmos e aos seus semelhantes. É difícil manter-se são e focado. Todos estamos sobrevivendo com o mínimo necessário. E outros tantos por aí já desistiram de viver há tempos.

A minha vida se tornou tudo o que eu quis. A minha vida perdeu o sentido. E entre as vitórias e as derrotas, eu jazo nua ao final de um túnel, buscando a luz — a única coisa que me restou fazer antes que eu destruísse a mim mesma em meio a todo esse caos apocalíptico.

Porque a gente nunca escolhe quando vai trocar de roupa, mas não pode perder a oportunidade quando ela surge. E não importa quando isso vai acontecer.

Eu já tive tantos desejos. Já tive tantos sonhos. Já construí tantos cenários futuros. E os desejos, e os sonhos e os cenários nunca foram reais, nunca foram meus. Eles eram outra construção. Coletiva, talvez. Um empréstimo que fiz, uma apropriação indevida. E quando achei que seria feliz, eu tive que devolver esse pacote que nunca foi meu e nunca me pertenceu.

Hoje eu não sei aonde está essa felicidade. E por mais que eu me pergunte, o eco não me responde. Não há som no vácuo onde eu grito. Não há existência onde não há gravidade. Eu desconheço o que é o tempo. Eu não sinto mais as nuances do toque de alguém. Desaprendi a sentir calor e frio. 

O que é felicidade?

O que é a felicidade que buscamos nesta existência?

O que é a infelicidade?

O que é o sonho?

O que é o desejo?

O que é a existência?

E tantos que já responderam.

E tantas respostas que existem.

Eu, aos 47 anos, dispenso todas elas. 

Meus quereres perderam sentido.

Minhas afirmações se dissiparam no ar.

Meu olhar vago busca a certeza que nunca existiu e nunca existirá.

Estamos sós mesmo sem estar.

Talvez... 

A única certeza possa ser o amor — essa outra entidade tão estranha e tão pura. Essa coisa que eu acho que toco mas na verdade parece outra ilusão me fazendo perguntas impossíveis de responder. Me espreita e ameaça me abraçar para então sumir em um vento deixando apenas o rastro de um perfume. Retorna como uma leve garoa num fim de tarde para então secar e eu me perguntar se eu vivi ou apenas imaginei. O amor parece tão real e tão irreal que não sei mais diferenciar. O ter sem ter. O existir sem nunca ser. O amor não pode existir em planeta Terra. O amor, aqui, é apenas isso: um projeto que nunca se concretizará porque não fazemos ideia de como ele seja.