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Gentileza gera gentileza?

Me perguntaram isso no meu Formspring.me. Minha primeira resposta foi: NÃO! Confesso que achei cruel da minha parte dizer isso, assim de supetão. Resolvi fazer um período experimental. E reitero minha resposta: NÃO.

Olha, não acho a proposta ruim. Não mesmo! Mas esbarramos num seguinte paradoxo existencial: quem, das pessoas que leem este blogue, pegam condução lotada todos os dias, ida e volta? Ou mesmo que não pegue condução, dirija por capitais como SP e Rio?

Me diga você: quando você está dentro de uma multidão, você age como a multidão ou você age conforme gostaria de agir? Bem, sua resposta vai depender de seu objetivo: você quer sobreviver ou você quer morrer?

Eu juro que não queria polarizar as coisas assim. Mas diante do movimento "Gentileza gera gentileza" não consigo pensar o contrário. Por que as pessoas são hipócritas? Ande um mês de trem e metrô no pior horário e você vai saber o que estou dizendo. Veja meus simplórios exemplos de cidadã do povo.

Se alguém te pedir licença, não é porque a pessoa quer passar, é porque a pessoa quer tomar o seu lugar que você mal consegue manter em uma sardinha enlatada. Se você pedir licença, a pessoa não vai te olhar e não vai mover um músculo, mesmo que haja espaço depois dela. Se você passa por ela bruscamente, ela vai te chamar de mal-educada, porque você é grosso.

Se há a instrução para carregar mochilas nas mãos, ela deveria ser estendida às bolsas femininas, tão grandes (ou, em muitas vezes, maiores!) que mochilas. Pior, são feitas de material duro, cheio de pontas. As mulheres andam com aquilo não junto ao corpo. E fazem questão de futucar as suas costelas ou as suas costas com pontas como se fosse um ritual de tortura chinesa ao longo de 20 minutos de trem totalmente prazeroso para o autor, não para a vítima.

Os homens não empurram os homens dentro de conduções lotadas. Eles caem sobre as mulheres porque "pega menos mal": afinal, ficar encoxando homem é coisa de viado e encoxar mulher é coisa de macho. Todos eles são muito machos, por sinal! As mulheres, mais baixas, sofrem com empurrões. Não somente de homens que se aproveitam para sarrar de graça, sem precisar pagar R$5 por um boquete. As mulheres também empurram as mulheres porque, em teoria, elas são mais "fracas". Elas ficam gritando que tá todo mundo empurrando e vão se empurrando enquanto, nessa, os homens apenas aproveitam para sentir uma bunda.

Adolescentes, cujos hormônios bombam a mil, acham-se donos das conduções. Não respeitam local de idoso, não respeitam o espaço público. Fazem questão de ficar em círculo, ocupando mais espaço do que deveriam. E andam com suas mochilas nas costas, não importa o volume da mochila ou o aperto da condução: o seu bem-estar é absoluto acima de qualquer coisa.

Os idosos que também se acham donos da condução, poderiam evitar pegar ônibus, trem ou metrô no horário de pico. Mas tudo bem, se precisam. Porém não precisam ser mal-educados a ponto de você pedir licença a eles -- em alto e bom tom, porque podem ter problema de audição -- e eles não moverem um músculo. Aí, mesmo esquema: você passa por eles e eles te olham como a pior criatura do mundo que ousou empurrar um idoso! Na hora de descer, não pedem licença, simplesmente vão passando, abrindo caminho com bengalas e guarda-chuvas, para descer fora do ponto. É um uso abusivo do "privilégio" de ser idoso.

Quando você está no meio da selva, se você não se adaptar a ela, você é engolido. Assim como eu fui um dia, quando fui empurrada para fora do trem com tamanha violência, que quase caí no vão entre o trem e a plataforma. Sabe o que aconteceu? Eu xinguei o homem que me empurrou. Ele simplesmente me olhou com ódio puro no olhar que nunca mais esqueci. E que me fez aprender uma dura lição: se você não tem dinheiro para andar de carro ou para pagar um táxi, acostume-se. Adapte-se. Pessoas frouxas são engolidas pela pura selvageria existente.

Eu sempre fui muito educada. E sempre acreditei que gentileza gera gentileza. Mas quando estamos na selva, a primeira lição é não sentir ódio do ser humano que te trata como lixo. Quando dá, você é educado. Tenho vários exemplos surpreendentes, pena que eles se perdem no cotidiano. Mas sempre me recordo deles, como um lampejo de uma sociedade animalizada e egoísta.

Portanto, sinto muito, mas não cruze comigo dentro um trenzão lotado. Você não vai me reconhecer como a pessoa que escreve neste blogue, porque se eu agisse de qualquer outra maneira, eu nem estaria aqui, teria me internado em uma casa de saúde. Esta vida cansa??? MUITO!!! Mas é uma etapa que tenho de passar.

Porque eu sei que é muito fácil ser pregador dentro de sua confortável casa. Como também sei que cada um tem o que merece. Então, façamos assim, você não me julga e eu não te julgo. E não encoste sua bolsa ou seu cacete podre perto de mim, porque eu sou fofinha e tenho cara de poste. Não tenho cara de poste, não tenho cara de balaústre, não tenho cara de apoio de nada. Fique na tua, fico na minha, certo mermão?