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Um dia qualquer na capital paulistana

Ontem, fazendo um curtíssimo trajeto de ônibus até o metrô Liberdade, fui testemunha de uma conversa entre dois professores que tinham acabado de se conhecer. Eu praticamente estava entre os dois.

Ele era professor de Artes, História. 

Ela era professora de Música.

A conversa começou com eles analisando o tempo.

Ela foi muito minuciosa em ficar ali olhando no celular, vendo a previsão para aquela terça-feira, que seria muito mais fresca que o dia anterior com uma temperatura de 32ºC em pleno inverno. Comentou do calor. Comentou que foi difícil dormir. Comentou que a previsão da semana dizia que hoje faria um friozinho.

Ele concordando com ela.

E eu também, óbvio! Eu também tenho um app e fico toda hora ali olhando previsão do tempo. Tirando printscreens e postando no meu whatsapp para ninguém ver, porque quem tá interessado em saber se você prefere calor ou frio (eu prefiro frio, aliás). Foi curioso ver que ela era parecida comigo nesse ponto.

O professor, meio atrapalhado, riu que tinha trazido um guarda-chuva de dez reais (mentira, esses guarda-chuvas xingling agora custam vinte conto se você pesquisar bem) e tava todo cheio de bolsas, como todo bom professor. Ele ainda estava usando bermuda e cachecol e eu achei a combinação bem inusitada porque eu só usaria cachecol com uma temperatura de menos de 15ºC associado a um bom vento gélido.

Ela era mais falante do que ele. E tinha uma voz alta, clara, de timbre extremamente agradável (lembrei de minha amiga comentando áudios no whatsapp). Fiquei imaginando que ela nunca desafinaria a voz, que nunca faria um pitch agudo sem necessidade. E fiquei imaginando como seria assistir a uma aula dela.

O professor continuou dizendo que iria fazer um exame no HC e não sabia andar por ali. Deduzi que ele não seria de SP, mas não podia perguntar. Já a professora deu todas as dicas de como chegar até lá. E que iria com ele até determinado ponto da linha azul, quando eles se separariam na baldeação para a linha verde.

Ela disse que dava aulas para um projeto especial do EJA na PUC.

Ele disse que era contratado (coitado, nada como ter tido um namoro com uma professora para saber o significado exato disso! rs).

Ela comentou sobre provas que fez na FE-USP (onde está o curso de Pedagogia) para tentar dar aulas em algum outro lugar. Eu percebi que ele ficou sem entender exatamente o que era a sigla (e eu sabia porque sou da FFLCH).

Aí voltaram a falar de provas e toda a atribulação intrínseca aos professores.

Ela ainda disse que tinha vários amigos que eram professores de História e Artes (e faz sentido se você pensar que ela é professora de Música).

Essa conversa toda durou uns 10 minutos porque tinha trânsito nesse trajeto que normalmene nunca tem, ainda mais naquela hora da manhã. 

E eu admito que adorei ser testemunha tão próxima dessa conversa inusitada entre dois estranhos com tantas similaridades!

Confesso que meu trajeto era outro mas queria ter acompanhado eles até a linha verde para saber o que mais conversaram. Será que trocaram whatsapp? Instagram? Será que só eu notei um flerte nas palavras dela? O professor era muito bonito. Embora novo (parecia), tinha um cabelo e um barba já grisalhos que dão um ar muito charmoso aos que se sabem se cuidar como era o caso dele.

Quando todos descemos em frente ao metrô, eu ri comigo mesma depois de me desperdir mentalmente deles.

Fanfiquei uma história linda entre os dois e imaginei que de um singelo encontro poderia surgir pelo menos uma bonita amizade entre duas pessoas. Idealista? Pode apostar!

E olha que curioso: naquele momento, meu ipodvelhodeguerra estava sem bateria (algo que nunca acontece) e só por causa disso eu pude ser testemunha visual e auditiva daquela conversa. Em geral, eu detesto ouvir conversas alheias em condução porque as pessoas só sabem ficar reclamando ou falando mal de alguém.

Mas, não.

E eu agradeço por ter sido testemunha de uma crõnica sendo escrita ali, diante dos meus olhos. Um outro dia qualquer na loucura desta capital paulistana que é São Paulo. E que a gente ainda pode encontrar beleza e simplicidade: basta saber prestar atenção.