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Por uma militância gay

Quem me conhece sabe que não sou militante. De causa nenhuma. Mas isso não significa que eu tenha minhas opiniões e faça minhas propagandas e defesas das coisas em que acredito. Meu blogue, meu twitter e meu facebook falam por mim.

Porém, uma coisa é fazer desses mecanismos virtuais a sua trincheira militante. Sim, porque no caso da militância a analogia à guerra ainda é a que traz os melhores adjetivos comparativos, embora, de verdade, não devesse.

Eu nunca escrevi nada em nenhum desses mundos virtuais algo que ofendesse a ninguém em específico. Uma das lições que aprendi desde a tenra idade é a de quando mais cedo você julga, mais cedo ainda você estará no lugar do julgado. Com pior sentença, tenha certeza!

A militância que trago aqui é a gay. A do homossexual que, de alguns vários anos para cá, tem estado cada vez mais em destaque na mídia. Sim, a “perfídia mídia”. O cúmulo a que chegamos foi a incompreensível criação do dia do “Orgulho Hetero”. Digo incompreensível porque dias de orgulho comemorativo costumam ser criados para as minorias ou para aqueles que sofrem preconceitos.

Eu acho que a criação de uma data dessa reflete exatamente a que andas a nossa sociedade: num limite perigoso de aceitação e repudia. Quem vive no meio termo hermético dessa existência pode entrar em parafuso por não saber que lado estar, mesmo que a gente saiba que não existe lado para ficar. O único lado que todos deveriam estar é o do amor e fraternidade.

Esta longa introdução é para contar o que aconteceu comigo, hoje, aqui em Niterói, estado do Rio de Janeiro. Mal-informada como sou, não sabia que hoje teria Parada Gay. Saímos, eu e minha namorada, para comemorar o aniversário do namorado da amiga dela, no bairro de Icaraí. Antes disso, passamos no shopping para comprar um presente para ele. Na saída, pegamos um táxi para irmos até o restaurante onde seria comemorado o aniversário.

No primeiro minuto, logo ao sair do shopping, o táxi é fechado na contramão por dois negões montados numa moto. Dando uma de carioca gente boa, não se alterou, apenas disse que os caras não deveriam fazer aquilo. Tudo de boa.

Menos de cinco minutos depois, o táxi entra numa rua ligeiramente congestionada. Num ímpeto, com a voz totalmente agressiva e alterada, fala em alto e bom tom: “Eu acho um puta absurdo fecharem a única avenida principal da cidade para deixar um monte de viado, travesti e sapatão ficaram fazendo putaria no meio da rua.” Repetiu a mesma frase, com certa variação, logo em seguida, mas mantendo o tom agressivo da voz.

Primeiro, alguém que fala isso, sabendo que tem dois passagerios dentro do carro é porque sabe que não está falando sozinho. Se fez pensando isso e usar isso como argumento (como ele fez) é muita falsa ingenuidade. Numa fração de segundo eu pensei que nunca tinha passado por aquilo em toda a minha vida. Numa fração de segundo, eu pensei em todos os homossexuais assassinados diariamente em todo o Brasil justamente por causa desse ódio injustificado e desmedido. Numa fração de segundo, eu pensei que aquele era o momento de, pela primeira vez na minha vida, militar pela causa, levantar armas e falar. Eu não podia simplesmente me calar, não podia!

E não me calei. Com a voz alta e muito séria disse que todas as pessoas têm direito a liberdade de expressão e era muita falta de educação falar desse jeito dessas pessoas. Óbvio que isso apenas jogou mais lenha na fogueira ignorante do taxista. Se alguém pensou que era tarde para voltar atrás, eu fui até o fim.

Os argumentos que ele usou eram os óbvios de qualquer intolerante preconceituoso. Eles não querem argumentar, eles apenas falam da putaria ao ar livre. Eu virei para ele e disse: “E se eu disser ao senhor que sou lésbica e acho que o senhor não deve falar isso porque são todos seres humanos?”. Um ligeiro e brevíssimo segundo de silêncio. Ele começou a discorrer ainda mais sobre a putaria diante de crianças etc. Eu apenas voltei a insistir, com a voz tão alta quanto a dele, mas firme, que ele deveria respeitar as diferenças, as liberdades de expressão das pessoas. Óbvio que a essa altura ele apenas queria falar da putaria. Aumentei ainda mais minha voz e finalizei: “O senhor disse o seu ponto de vista. Eu disse o meu ponto de vista. Acho melhor pararmos aqui a conversa.”

Silêncio nos minutos finais do trajeto, que graças ao bom Senhor, era curto. Lembrei de tudo que sempre acreditei e que sempre digo aqui sobre sentir amor para as pessoas. Eu nunca tinha passado por uma situação semelhante. Eu senti o ódio dele atravessando cada célula do meu corpo, esse ódio que imagino que seja o veículo que causa tanta tristeza e injustiça no mundo. Pensei que não adianta discutir com ele, mas ele estava diante de Cristiane Maruyama e ele não podia simplesmente falar daquela forma. Porque se ele queria, como disse, que pensou alto, que não queria ofender, mentira. Quem fala assim sempre espera uma resposta. Que no caso dele, não foi a que ele esperava.

Decidi que não queria mais falar do assunto, mas queria ter dito muito claramente minha opinião. Meu amor ficou em silêncio o tempo todo e apenas pousou a mão na minha. Mas, ao sair, o motorista virou para trás e inventou uma desculpa apenas para justificar que o que ele não gosta não é de homossexuais, mas da putaria. Arram. Meu amor finalizou da melhor maneira possível: “O senhor precisa tomar cuidado, porque lida com público e não pode ficar falando sobre nada com tom pejorativo. Se não gosta, não diga nada, mas não faça isso que fez.”

Eu fiquei bastante mal com aquela carga negativa. Passou pela minha cabeça todas as coisas que todos os gays passam todos os dias. Tanta coisa passou pela minha cabeça... aquilo parecia ter sido escrito especialmente para mim. Um capítulo inesperado na minha vida. Uma dose real de intolerância humana. O que aconteceu comigo pode ser até ínfimo para a maior parte de vocês, leitores, mas para mim foi um fato. Eu diria que até um marco. Algo que sempre me fará lembrar dos motivos de eu estar viva, de eu ser quem sou, de eu ter orgulho de quem sou. De dizer a você, leitor, gay ou lésbica, que não devemos nos calar. Não devemos responder à violência com violência, mas não podemos simplesmente nos calar porque ele é um ignóbil brutamontes. Ele é, mas mesmo assim devemos erguer nossa voz, defender o que sempre fomos: seres humanos dotados de amor. Uma guerra de ódio deve ser enfrentada com muita coragem, força e amor.