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Obviamente obscuro

Todo mundo já sabe que é do convívio com outros seres humanos que tiramos as lições mais valiosas para a nossa própria vida.

Não vou entrar no mérito de elencar antropologicamente motivos n para explicar as coisas que vivi, as teorias que aprendi e compartilhei ou as mancadas que já dei. O fato é que vira e mexe, eu tenho alguns cenários assoladores e soberbos diante de mim.

Tem algo que eu tenho muita dificuldade de entender: a teimosia humana. Claro, foi pela nossa teimosia que sobrevivemos a tudo que sobrevivemos e estamos onde hoje estamos. Do homem neandertal ao caos pós-guerra do Iraque. Mas, ajustando a lente do microscópio, é nos micronúcleos de nossa convivência mais íntima que descobrimos pérolas dantescamente magníficas.

A partir desses micronúcleos, podemos estender a interpretação para onde o raio conseguir atingir sua amplitude. Isso deve ser o inconsciente coletivo de que falava Jung (em interpretação minha, claro).

Se tudo é uma questão de escolha, por que nossa teimosia -- e não a nossa liberdade -- faz com quem sempre façamos as piores escolhas?

Se já sabemos previamente pela experiência alheia que determinada escolha é furada, por que ainda assim continuamos escolhendo as piores escolhas?

Se depois de tudo que escrevi acima, por que o desolador cenário de fracassos invariavelmente se prostra na minha frente?

Estou numa fase egoísta. E, egoisticamente, falarei que eu preciso aprender com esse horizonte de visão que se alarga diante de meus olhos de quase 32 anos de vida.

De tempos em tempos eu cruzo -- às vezes com as mesmas pessoas, o que é mais desolador ainda --, com perfis que me fazem refletir muito sobre questões como compaixão e auto-indulgência. Até quando ajudar alguém será um ato compassivo e até quando vc não estará se flagelando pensando estar ajudando alguém?

Posso resumir tudo isso numa única frase: as pessoas não têm mais moral. Não têm mais caráter. Na nossa sociedade consumista, tudo é instantâneo e tudo é descartável. As pessoas tornaram-se objetos desprezíveis, porque sempre tem alguém para tampar o buraco. E não ter mais moral não significa cair na concepção básica de certo e errado. Para mim, significa lealdade. As pessoas não são mais leais porque elas não são leais com elas mesmas. Porque esse conceito se perdeu em meio a fanatismo e maniqueísmo.

Nossos relacionamentos são desprezíveis. Nossa vida é desprezível. Nosso trabalho e a nossa rotina são desprezíveis. Em meio à descartabilidade do ser humano, existimos. Quem consegue ser fiel e leal a si mesmo? Como não sucumbir à essa imensa energia que leva a todos como um tsunami disfarçado de "comportamento da moda"?

Por isso tenho orgulho dos meus relacionamentos. Daqueles que construí desde 2004 e essas pessoas sabem quem são na minha vida. Tenho orgulho de poder ter amigos com quem contar e amigos que sabem ser amigos. Toda definição de algo complexo é sempre limitada, então não quero encerrar tamanha complexidade nestas poucas linhas, mas digo: eu sei quem está ao meu lado e porquê. E eu sei quem fica ao meu lado sem saber, ficando por ficar.

O resto é resto. E fica no óbvio escuro daquelas pessoas que um dia vão saber porque estão lá, mesmo sem saberem que estão.