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vão ilusório

Seus olhos estão fechados
e ainda assim você insiste em olhar
como se pudesse ser capaz de capturar
alguma surpresa
alguma esperança inusitada.

Seus lábios estão selados
mas ainda há algo que continua latente
alguma palavra perdida
esperança comedida
algo.

E você anda e você se move
como se o ritmo pudesse apenas
aliviar a inquietação de sua alma
mas você já sabe
que é tempo desperdiçado
o tempo que nem veio
e aquele ido.

Você pensa que você dorme
mas seus olhos continuam abertos
seus lábios continuam à busca
de uma mesma palavra
de uma mesma sentença
um alívio para ignorantes
um vão de conforto
ilusório.

E os dias se passam
entre estranhos conhecidos
desejos declarados e sonhos esmorecidos
até tudo girar
e fazer parte do esquecimento
até tudo girar
e voltar como algum fardo
esquecido.

E assim somos, eu e você,
faça sua arte e eu farei minha poesia
voltaremos a caminhar
como se nada tivesse acontecido
como se apenas pudéssemos
fingir
e sorrir
num vão ilusório qualquer.

(16/08/2008) > meu último poema escrito registrado.

Um amor em bitucas de cigarros

São 17h32 de uma tarde
quase fim de véspera de seu aniversário
e enquanto eu observo
o mesmo sol se pôr
eu penso em como a vida é engraçada…
ah!
como a vida é engraçada.

O único calor
é o do cigarro aquecendo as pontas de meus dedos
e eu hoje eu lembro de você
que fica tão bem de vermelho…
e agora eu imagino você
sentada neste mesmo banco azul
uma cena de um filme
de David Lynch, Bergman, Kubrick ou Almodovar
como eu queria poder te fotografar.

Mas, eu estou sozinha sob esta mesma árvore
que um dia foi a única testemunha
de uma conversa tão íntima
quanto estranha…
agora, eu olho para o chão,
e vejo todos os cigarros que você fumou
mortos.

Eles são como todos os beijos
que eu não tive de você
tantos beijos em tantas bitucas de cigarro
um amor em bitucas
que dura o tempo… de um cigarro
como ironia, quase como um vício
eu estava viciada em você
terra sedutora… terra sedutora…

Mas, um dia, eu roubei um beijo seu
de uma bituca de um cigarro qualquer
no dia em que o nada testemunhou
a distância e a proximidade
a única coisa comum entre nós
e enquanto eu ouço Stereophonics
vou pensar em você
e como seria se ao invés de um, fossem duas.

E vou contar as bitucas de cigarro
a engraçada e cômica fotografia
do que tínhamos
um amor em bitucas de cigarros
que, mesmo diferentes,
ainda são partes de nós
as únicas partes
que permanecem firmemente juntas
no chão.

(13/09/2007)

A mesma estrada

Os olhos daquela mulher
estão pintados com a cor da luxúria
e esses mesmos olhos
que olham com outros olhos
a mulher da esquina
de cujos lábios gotejam palavras mudas
tentam ser desvendadas
por uma mulher que não olha nem fala
a mulher parada, estátua solitária
sob o silêncio de lembranças
sob as circunstâncias tão incompreensíveis
de sua única solidão.

Entre, atravesse as fronteiras
um outro-mesmo ser que respira ar
não há datas, nem há dias no calendário imaginário
que se desenha no cotidiano absorvido
de seres igualmente semelhantes e diferentes.

(02/08/2003)

melissa da manhã

A solidão é um fardo
construído ao longo de muitos desencantos.
O idealismo, um hiato,
um suspiro poético ao gosto de prantos.
A realidade, simples fato,
fotografia imutável.

Teus olhos neblinados,
capturam e dissimulam teu medo
por entre tuas unhas
e teu sorriso de medusa.

(09/09/2002)

Trilha sonora de hoje: Estranged

Esta música foi o meu principal "hino adolescente" nos anos 90. Ouvir "Estranged" no repeat one do meu walkman (nada de ipods) madrugada adentro, observando estrelas e estrelas cadentes era um passatempo de uma época solitária, vazia... ao mesmo tempo cheia de esperança, sonhos e desejos. Eu era, literalmente, uma garotinha de 14 anos com tanta coisa passando na minha cabeça... e essa música sempre me pareceu tão perfeita.

Os anos se passaram e nada mudou muito, não. Sempre que eu ouvia o refrão "Old at heart but I'm only 28 and I'm much too young to let love break my heart. Old at heart but it's getting much too late to find ourselves so far apart" eu pensava que Axl Rose tinha escrito a música da minha vida. Quando completei 28 anos, obviamente, ouvi essa música à exaustão. E lembro que foi um período de muito expurgo na minha vida.

Hoje em dia, "Estranged" ainda é uma música que mexe comigo. A melodia, os riffs cheios de dor e crueldade de Slash, o solo de piano e a letra... se eu tivesse de fazer um odioso top10 da minha vida, tenha certeza de que esta música estaria lá!

Sempre cacei versões demo para essa música e destaco (até onde consegui ouvir) o piano de Vika e a guitarra de Kobiba. Imagino se eles tocassem juntos... Aqui segue o vídeo de Vika, uma pianista talentosíssima da Islândia. Garota impressionante!