Clique

Uma breve reflexão sobre furar fila

 Assunto do momento: digite no Google e você vai se deparar com muitas links para matérias de todos os tipos e gostos. Tornou-se a moda, infelizmente. Mas furar a fila é algo que não saberia dizer se é cultural ou brasileiro. Não me aprofundei nesse assunto.

Eu sempre fui veementemente contra furar a fila em quaisquer circunstâncias. Considero isso não apenas um desvio de conduta de caráter, uma total falta de respeito ao próximo. Então, na minha concepção, praticar esse ato - além de falta de educação - também simboliza um gesto de egoísmo praticado sob os mais diversos argumentos. Todos condenáveis, exceto em caso de uma pessoa em iminência de morte.

Veja, por isso existe um protocolo que você encontra em qualquer UBS que você for: é a classificação de risco. Isso é o que faz você esperar por horas para ver um piriri suspeito enquanto o que está com suspeita de infarto passe na sua frente. 

Óbvio que levar isso para a vida cotidiana seria algo muito além de qualquer expectativa. As pessoas furam fila de supermercado, do banco. E para pegar condução lotada? Só sabe quem já passou por isso. Não existe respeito. É cada um por si.

Vemos as pessoas furando fila nas situações mais comuns do dia a dia. E esse comportamento tornou-se tão grave agora em tempos de pandemia, que foi necessário criar leis e multas severas para quem chegar dando carteirada: porque é mais importante, tem mais poder ou tem mais dinheiro. Todos aqueles cenários caóticos que vimos em filmes de fim de mundo estão acontecendo agora, ao vivo e a cores, diante de nossos olhos.

Uma vez, furaram a fila para mim. Tenho vergonha desse dia, mas vou contar aqui, acho que nunca contei. 

Eu odeio filas, de todos tipos. Fila é algo tão imbecil mas tão automático que quando menos percebemos estamos lá, numa fila. A fila parece trazer uma certeza de que vai dar certo, mesmo que demore. Talvez (e bem talvez) por isso, a vida traga os engraçadinhos e espertinhos que passam na frente - eles sabem que isso é uma afirmação perigosa e até mentirosa.

Estava eu em uma fila para o camarim pós-show da Isabella Taviani em Brasília, dez anos atrás. Sim, tinha viajado de São Paulo para vê-la onde tudo é plano aonde quer que você olhe. Estava eu lá, esperando chegar a minha vez, como sempre faço, quando o produtor viu a galera que tinha vindo de SP (ninguém combinou de ir junto mas todos se encontraram lá) umas seis pessoas, eu acho, não lembro mais, e chamou todos para irem primeiro falar com a cantora. Eu disse que não queria, esperaria a minha vez, mas fui forçada a ir. No meio do caminho, ouvi muita gente reclamando e algumas me xingando. Caminhei pedindo desculpas. Oras, a Isabella fazia uma década que não se apresentava lá e eu, nessa época, ia a shows delas duas, três vezes por mês. Podia esperar, mesmo tendo vindo de SP. Mas, não, passei na frente de todos.

Qual a sensação que traz ser a primeira, passando na frente de todo mundo? Eu sou especial e única.

E acho que é isso que todos desejam ratificar: sou especial e único, posso passar na frente dos outros. O sinistro é ver que as pessoas ainda continuam pensando assim, sem o mínimo de pensamento coletivo, no meio de uma pandemia, uma situação gravíssima, ainda mais agravada pela péssima gestão governamental (que nem merece comentário aqui). Se eu tenho dinheiro e influência, então por que não posso passar antes de todos?

Brasileiro tem aquela péssima fama de "dar jeitinho em tudo". Não sei de onde herdamos isso (aceito explicações antropológicas e históricas). Embora a bandeira diga "Ordem e Progresso", estamos longe de realmente por isso em prática. A lei máxima é do esperto que agarra a sua oportunidade, mesmo que burle regras. Se eu posso, qual o problema? Todo mundo terá o seu, só que eu terei primeiro.

Nada a ver, mas isso me fez lembrar do único show da Alanis Morissette que fui, lá em 1999. Fila para entrar, horas e horas esperando a casa abrir... quando entramos, uma menina disse em alto e bom tom que seria bom para todo mundo esperar sentado no chão o show começar, que ela tinha ido em shows lá fora (?!) e era assim. Claro que ninguém deu bola para ela. Foi nesse show que, inclusive, vi minha primeira roda se abrir na minha frente e eu quase fiz nas calças por medo de ser jogada ali no meio. Como assim, abrir a roda num show da Alanis?

Talvez seja do ser humano, instinto de sobrevivência jogando hormônios no corpo em um momento tão tenso e inédito que vivemos, como brasileiros que nunca viveram uma guerra, um tsunami ou um terremoto. Outras pessoas de outros países estão "mais acostumados" mas o brasileiro, não. E, talvez por isso também, o caos tenha se instalado da forma mais inimaginável possível: com negacionismo. Tipo, isso não está acontecendo aqui, é tudo invenção de alguém.

Agora, com a ficha caindo, o desespero das pessoas para furar fila e sobreviver só mostra o que sempre fomos com requintes de crueldade: não fazemos a nossa parte, não quero pagar a conta e quero sobreviver e ser feliz. O resto que se cuide.

Mulholland dr. - Cidade dos sonhos (2001)

Há quase duas décadas penso em escrever um post sobre o meu filme número 1, eterno primeiro e querido da lista. Nunca me achei digna de analisar um filme além de parâmetros puramente pessoais, quanto mais analisar um filme do mestre David Lynch

Mas eu me lembro quando eu vi este filme pela primeira vez: 2005. Quatro anos haviam se passado desde sua estreia e eu sequer sabia quem era David Lynch, sua filmografia. Tinha visto Blue Velvet e só, nada mais que me tornasse uma conhecedora capaz de qualquer comentário. No entanto, depois de tê-lo visto em uma Mostra sobre o Expressionismo no cinema, lá no CCBB de São Paulo, minha vida nunca mais foi a mesma. As sensações depois de ter visto o filme pela primeira vez em minha vida nunca mais se repetiram com outro filme. O impacto foi muito grande, surreal, um soco e uma carícia, uma eterna interrogação.

Então, muito recentemente, assisti à maravilhosa análise que vi no YouTube chamada "The terrible secret of Mulholland dr.", um vídeo de 66 minutos de duração de puro deleite, minúcia, pesquisa e muita edição e dedicação. Depois de ver um vídeo como esse (que eu gostaria de ter feito!), dispenso qualquer análise minha, mas descreverei uns comentários de como foi a minha reação pessoal lá em 2005-2006.

Falar de Mulholland dr. tornou-se mandatório no trabalho, à época. Ah! e que saudades dessa época. Era uma sala com quatro pessoas que se propuseram a discutir tudo sobre o filme, inclusive até se Laura Elena Harring tinha silicone nos seios ou não! rs Isso era totalmente irrelevante mas como os quatro cérebros à época estavam sedentos, tudo era assunto. Ganhamos reprimenda dos superiores que achavam que estávamos falando de assunto da faculdade (afinal, eram todos estagiários, menos eu). Não, não era trabalho de faculdade. Era o fascínio que um filme de David Lynch causava em nós e causou a todos quando foi lançado.

Nesse mesmo período, cheguei a ser convidada para escrever uma "matéria" para um site (que obviamente não lembro mais o nome) sobre cinema. Não era nada importante, mas aquilo me chamou a atenção na época. Declinei o convite justificando exatamente o que já disse aqui: quem sou eu para analisar um filme de David Lynch? Não tenho capacidade técnica para isso!".

David Lynch tem essa coisa de deixar uma pergunta no ar, de trazer o especial em uma cena mais ordinária e estupidamente comum. De mostrar complexidade com coisas tão simples... provavelmente para mexer com nosso subconsciente - o que não acho que seja sua intenção inicial, mas, afinal, essa é a maneira como ele faz Arte no cinema! E que maneira!

E eu lembro dessas conversas... do eterno desejo de compreensão do filme, as cenas, as cores, o imaginário, os personagens favoritos. Lembro também que ganhei o DVD de presente, dentro de uma caixa azul com um cachecol vermelho. E, depois, imprimi o roteiro disponível que havia na época e, tal como fiz com Matrix, assisti ao filme inúmeras vezes acompanhando o roteiro - a ponto de decorá-lo!

É muito interessante acompanhar um filme com o roteiro em mãos: sugiro que façam essa experiência um dia.

O que faz Mulholland dr. ser o eterno primeiro em minha lista de filmes favoritos? Simples: trata-se de uma história de amor - como Lynch afirmou em entrevista (que após ver o vídeo do YouTube compreendi exatamente o significado disso), trata-se de um filme de David Lynch e retrata um relacionamento lésbico. Não preciso de mais.

Já vi muitos filmes que me surpreenderam, mas lista de favoritos é gosto pessoal, é assumir o que mais mexe com você, seja lá por quais motivos forem. Não é uma lista técnica - isso tem inúmeros sites, críticos e analistas que podem fazer isso. 

Em uma breve pesquisa, até achei texto acadêmico analisando o filme sob os olhos do Surrealismo e da Psicanálise! Vale a leitura.

Seja como for, no Club Silencio temos, talvez, a maior pista para uma linha de compreensão do filme, da análise e... da vida:

NO HAY BANDA. IT IS ALL... AN ILLUSION.

Qual a sua lembrança mais feliz?

 Confesso: nunca fui fã da série Harry Potter na época em que fez sucesso. Por que? Simplesmente porque tenho um certo gosto para ser do contra. Hoje em dia, há alguns meses para ser mais específica, retomei o gosto esquecido. Falta apenas ler os livros rs.

Dos inúmeros trechos de que mais gosto, o que mais se destaca, certamente, é quando Harry precisa aprender a se proteger dos Dementadores e com a ajuda do professor Lupin aprende a executar o feitiço do Patrono. Basicamente, para executá-lo é necessário encher-se da sua lembrança mais feliz, deixá-la tomar conta de você. Fácil, né? (tom de ironia)

Assim, eis a pergunta: qual a sua lembrança mais feliz?

Mas não é qualquer lembrança... na série, o próprio não consegue conjurar um Patrono potente porque a lembrança não era feliz o suficiente. Então, quando ele consegue se focar naquela que é a verdadeiramente a sua lembrança mais feliz e plena, ele finalmente consegue afastar todos os dementadores.

Todas as vezes que estou revendo os filmes pela milionésima vez e chego nessa parte, sempre me pergunto qual seria a minha lembrança mais feliz?

Na maioria das vezes, as pessoas acabam associando essa lembrança com a família, como é o caso do Harry. Acho uma pena no filme não detalharem mais sobre as lembranças dos outros, que com certeza são variadas.

Eu não consigo ter uma lembrança associada à minha família que me traga tanta felicidade.

Já pensei e repensei tanto sobre isso... mas a maioria das lembranças eu estou sozinha, em um momento de reflexão. O que não é "ruim" mas também não creio ser forte o suficiente. Claro que meu intuito não é conjurar minha Doninha (mas bem que gostaria para espantar uns Dementadores diários) mas realmente pensar sobre lembranças felizes. O que são lembranças felizes para cada um de nós?

Para as poucas pessoas a quem pude perguntar, ninguém sabe responder de primeira. É uma pergunta complexa. Você saberia responder?

"Felicidade" costuma envolver alguém ou alguma época mais feliz. Nunca somos felizes o tempo todo e mesmo assim não produzimos grandes momentos de felicidade o tempo todo. É mais fácil dizer o contrário, inclusive. É muito mais fácil produzirmos, infelizmente, momentos tristes, decepcionantes, angustiantes... os quais desejamos esquecer e não ficar lembrando.

Mas, a despeito disso, vivemos momentos felizes... pequenos, singelos ou grandiosos... eles existem em nossa vida. E eu elejo o meu: o dia em que a cantora que mais admiro, Isabella Taviani, abriu um show no Teatro Municipal de Niterói, há quase dez anos atrás, com uma música, uma música que eu tinha pedido para ela cantar (na verdade, vinha pedindo há um certo tempo e com bastante insistência rs).

Só de lembrar, meu coração acelera... relembro perfeitamente daquele momento (que eternizei em um post aqui neste blog). Foi uma total surpresa. Ninguém sabia. Eu fiquei sabendo na hora.

Foram dois shows, naquela época estava sem grana e só pude ir em um show, o segundo. E interessante que ninguém me contou da surpresa. A própria Isabella (que sempre interage muito com os fãs) perguntou da minha ausência, porque tinha uma surpresa para mim. E essa surpresa se tornaria a minha lembrança mais feliz.

Eu, no meu lugar quietinha, na primeira fila, vi quando uma luz se acendeu apenas sobre a Isabella e ela abriu o show cantando Pontos Cardeais. Só tive tempo de pegar a câmera (nessa época registrava tudo que podia nos shows) e perder os cinco segundos iniciais e gravar o restante. Gravar e guardar esse que seria o momento mais especial da minha vida: a cantora que mais admiro, cantando a minha música favorita (a capela), abrindo o show com ela (a única vez que ela fez isso em toda a sua carreira musical) e especialmente para mim.

Aquela voz linda, ecoando na acústica maravilhosa do Teatro Municipal, cantando uma música tão triste mas tão linda... 

Por sinal, essa é uma música totalmente subestimada, inclusive pelos próprios fãs. Somente os fãs raízes a conhecem e gostam dela, a maioria fica nos clássicos de rádio. Para mim, continua sendo a minha música número 1. Ouçam a versão de estúdio e os arranjos maravilhosos.

E qual a sua lembrança mais feliz?

A arte de envelhecer

 Esta ideia surgiu em minha cabeça como parte das reflexões que vêm surgindo desde que tenho um pai acamado, em decorrência de um AVC. Comecei a pensar o que levaria, em teoria e pura especulação, uma pessoa aos 79 anos chegar ao estado físico e mental de uma criança de menos de 5 anos?

Tem tantas variantes possíveis de análise, não dá nem para começar... mas eu vou esmiuçar um pouquinho apenas o caso que presencio aqui. Analisar meu pai tem me dado muita matéria interessante para eu me autoanalisar: sem essa imagem de pai-herói (que nunca tive e creio que teve um lado bom nisso, recentemente escrevi um post sobre pai ausente, o meu pai, no caso) ou mesmo quaisquer outras imagens clichês prováveis.

A primeira coisa que as pessoas dizem é "velho volta a ser criança", mas por que as pessoas afirmam isso com a maior das naturalidades? Isso não é esquisito? Para mim, sempre foi esquisito no entanto como o assunto nunca me interessou na época, nem fui atrás para tentar entender. Outra coisa que mitificam muito é o sentido de família que se cria em torno de um idoso "filhos são a previdência privada dos pais". Não sei se vocês já ouviram isso, mas queria lembrar onde foi a primeira vez que ouvi esse termo e ele fez tanto sentido! Foi numa matéria, Uol talvez, lida há alguns anos. Se a encontrar, ponho o link aqui.

Atualmente, todos têm ciência disso, somos um país com mais idosos e isso traz inúmeras consequências: maiores filas no banco, maior necessidade de atendimento preferencial, maior cuidado com uma população que dependendo de como viveu a vida, não tem ninguém além do Estado para ser provedor de um mínimo de dignidade para sobrevivência.

Há bem pouco tempo, idosos têm preferência aonde quer que vão: sempre recebem atendimento prioritário. Mas se pensarmos apenas nos idosos ativos. E os que dependem exclusivamente de alguém para fazer tudo para eles?

Aí, encontrei este artigo na área de Enfermagem chamado Envelhecimento ativo e sua relação com a dependência funcional. É curtinho, dá para ler em dez minutos. Ele traz um panorama de estudo econômico, educacional e social para correlacionar a independência funcional de um idoso. Não podemos nos esquecer que os idosos na faixa etária do meu pai, por exemplo, nasceram antes ou durante a segunda guerra mundial: uma época tão diferente da que vivemos hoje, que pareceria viagem no tempo.

Mais uma vez, retomo à questão de como as crianças foram educadas nesse período, onde todo mundo tinha pelo menos cinco filhos e os milhares de imigrantes fugidos da guerra que se estabeleceram pelo país todo. Fome, condições precárias de sobrevivência. Muitos conseguiram se estabelecer bem... a que custo?

O que penso enquanto divago com todas essas informações é quanto sacrifício esses pais viveram e como eles criaram seus filhos que, hoje em dia, são os avós de alguém? Quanta dor foi herdada e repassada nas mais variadas formas de codependência emocional?

Bem, como disse, é impossível aprofundar um assunto em um texto com alguns parágrafos; então, voltando ao meu pai, como nada sei da sua infância, o que sei é o seu mapa natal e um pouco do que me foi repetido (mas sem sabermos se é verdade mesmo), TUDO que vivi de bom e de traumático com ele, e analisando a relação dele com a família dele (irmãos e sobrinhos) essa atitude clássica de "voltar a ser criança" além de demonstrar fuga da realidade, pedido desesperado de ser o centro das atenções, e imaturidade emocional e financeira total vivida ao longo de toda a existência (financeira, sim, porque se tivesse dinheiro poderia fazer como velhos endinheirados com muitos empregados à sua disposição ou, nem muito, mas uns dois) ALÉM DO PRINCIPAL: fuga da responsabilidade pessoal com a própria vida.

FUGA.

Algo que todos nós adoramos fazer quando estamos acuados e estressados na nossa vida diária. Por que um idoso também não faria isso? 

Então, dedico este post ao senhor com quem compartilhei uma vizinhança de apartamento, em 2011, quando morei em Niterói, Rio de Janeiro. Tinha o perfil totalmente diferente do meu pai: sozinho, não bebia nem fumava, tinha situação financeira confortável. E ouvia muita, mas muita música clássica. Vez ou outra eu encontrava com ele nas escadas, educado, não invasivo.

Um belo dia, o zelador bateu à porta comunicando que o senhor tinha morrido: suicidou-se. Parece que tinha uma filha que morava longe. Ela deu por falta de notícias dele, foi quando descobriram que ele também fugiu, por conta própria. Aliás, vocês sabiam da alta incidência de suicídio em idosos? Alguém se lembra do caso midiático do Flavio Migliaccio?

Este assunto está longe de ter uma conclusão. Porém, a que faço agora é esta: você é o que você vive, não importa a fase de sua vida. Ser jovem ou velho é uma mera questão de tempo e idade. No caso do meu pai, uma vez mais, nada me surpreende (infelizmente) porque esta sempre foi a imagem que eu tive dele a minha vida toda. Agora, ele apenas a continua ratificando. Por única opção dele próprio.

Opinião alheia e soberba

Sentemos no meu boteco virtual e bebamos uma cerveja gostosa e barata: Eisenbahn Weizenbier, a minha preferida. Na vida real, não posso beber mais do que uns dois goles (tenho grau alto de alergia a álcool, explico num post qualquer dia desses) mas virtualmente tá liberado. Vamos curtir o adocicado do aroma de banana e cravo dessa cerveja, um sabor muito agradável para meu leigo paladar, porque o tema a seguir é amargo.

Esses dias postei em minhas redes sociais que estava refletindo sobre PERFEIÇÃO. Cheguei a ler alguma coisa, o tema abrange muita filosofia grega e do século 18 e eu não queria algo tão teórico. Desanimei.

Então, conversando com uma amiga, despretensiosamente, ela retomou algo que já estamos falando há alguns meses (sim, nossas conversas virtuais têm intervalos longos... mas que em nada diminuem o teor complexo do que é dito). E ao retomá-lo, algumas horas depois, me veio o clique compartilho aqui.

Perfeição é um dos aspectos, talvez o mais conhecido, de algo que odiamos e amamos: a opinião alheia. A famosa e temida opinião alheia...

É ela que nos alimenta o desejo de sermos perfeitos. É ela que exige que tenhamos sucesso e escondamos nosso fracasso. É ela que faz com que calemos quando mais precisamos de ajuda: por vergonha. É ela, a opinião alheia, que nos salva e nos condena em graus de polarização extremos.

A pergunta que fica é: podemos, então, viver sem a opinião alheia?

E eu te respondo: você não acha que a pior opinião alheia é a nossa própria?

Como assim, uma opinião alheia é nossa? Não todas, mas a pior, sim, acredito que seja. E, sem querer entrar no âmbito freudiano, eu diria que é o nosso superego. Ou Saturno, se falarmos astrologicamente - uma área que posso falar com mais propriedade.

Desse modo, a pior opinião alheia é aquela nos julga e nos cerceia o tempo todo, tal qual faz Saturno em ciclos, em trânsitos e mostrando sua potência no mapa natal de cada um: umas pessoas têm Saturno aflito, sofrendo aspectos difíceis, causando um desafio ainda maior.

Primeira conclusão que faço: é impossível viver sem a opinião alheia, seja dos outros quanto mais a nossa própria. 

Creio que desde pequenos, deveríamos ser orientados a saber o que fazer com a opinião alheia, quando nos frustramos, quando perdemos, quando fracassamos. Viver é um desafio constante, um aprendizado contínuo. Por vezes, precisamos passar pela mesma lição incontáveis vezes até assimilarmos algo. Em outras, podemos aprender de primeira. Isso varia muito e cada ser humano é um universo tão complexo...

Mas, culturalmente e socialmente, sempre nos é exigido que sejamos melhores que o outro. Que o amiguinho da escola, que o primo, que o irmão. Como se nossa dignidade como seres dependesse unicamente da escala de sucesso em que medimos a nossa vida a cada passo que damos.

Com o tempo e dependendo de cada um, isso toma ares tão intensos e tão perigosos que as rotas de fuga se tornam aquilo que vemos hoje em dia: depressão e suicídio. Todos estão precisando desesperadamente de ajuda, em um mundo onde todos sabem a última vez que visualizamos o WhatsApp ou o Instagram. Isso é tão irônico quanto trágico.

E há solução para isso?

Quando faço esta pergunta para mim mesma, rio. Eu que sempre fui a pessoa das afirmações categóricas, já percebi que não existe nada categórico nesta vida, talvez a morte seja uma das poucas coisas categóricas que possamos ver (exceto quando a pessoa é enterrada viva, sem querer).

Já que não podemos evitar a opinião alheia - (in)felizmente, todos têm a liberdade de pensar o que quiserem sobre o que quiserem - a única opinião que podemos e devemos controlar é a nossa própria e, não por coincidência, é a pior de todas. 

A nossa opinião sobre nós mesmos traça limites tênuos entre ajudar e prejudicar, quase nunca sabemos diferenciar. Eu diria que o patamar mais perigoso que podemos atingir - e falo de mim mesma, com propriedade - é a soberba. Ou seja, quando nossa opinião nos coloca em um nível de superioridade em relação a todos os outros nos mais diversos assuntos.

Isso não quer dizer que não devemos ter autoestima. Creio que autoestima é valorizar nossas qualidades e compreender nossos defeitos e não supervalorizar nossas qualidades e passar a mão em nossos defeitos, porque eles fazem da "personalidade".

Eu cometi a soberba. Não à toa, de acordo com a igreja católica ela é o primeiro e o pior pecado capital, pois fez os anjos se rebelarem contra Deus. Não precisamos entender de religião para imaginar o perigo desse caminho.

Eu cometi soberba profissional e, pra estragar de vez, cometi soberba espiritual. Um dia entro nesse assunto.

Acredito que todos nós, em algum nível, em algum setor da nossa vida, cometemos soberba. Não existe ninguém tão humilde que não tenha o coração acelerado quando percebe que é melhor em alguém em alguma coisa. E não precisa vir ninguém te dizer isso - se vier, nossa, melhor ainda - mas o simples fato de você VER já pode ser o suficiente para você adentrar um terreno perigoso em uma estrada que vai te deixar bem perdido.

Esse assunto dá pra prolongar bem... pensei em citar uns filmes, quem sabe faço numa continuação desse post. Por ora, acho que já basta dizer que não é a toa que o ESPELHO é o melhor amigo e o pior de inimigo para muitas pessoas. Na ausência dele, espelhamos em outras pessoas. Tem sempre alguém melhor, tem sempre alguém pior.

Seja em qual situação for, o que esse espelho nunca nos diz é sequer um minirresumo da pessoa, tipo um abstract no começo do trabalho acadêmico, um texto de cinco linhas para ver um filme na Netflix. O que vemos nunca traduz a realidade do outro. Traduz a nossa própria?

Dois packs de cerveja depois, vamos deixar a conversa para depois?