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Opinião alheia e soberba

Sentemos no meu boteco virtual e bebamos uma cerveja gostosa e barata: Eisenbahn Weizenbier, a minha preferida. Na vida real, não posso beber mais do que uns dois goles (tenho grau alto de alergia a álcool, explico num post qualquer dia desses) mas virtualmente tá liberado. Vamos curtir o adocicado do aroma de banana e cravo dessa cerveja, um sabor muito agradável para meu leigo paladar, porque o tema a seguir é amargo.

Esses dias postei em minhas redes sociais que estava refletindo sobre PERFEIÇÃO. Cheguei a ler alguma coisa, o tema abrange muita filosofia grega e do século 18 e eu não queria algo tão teórico. Desanimei.

Então, conversando com uma amiga, despretensiosamente, ela retomou algo que já estamos falando há alguns meses (sim, nossas conversas virtuais têm intervalos longos... mas que em nada diminuem o teor complexo do que é dito). E ao retomá-lo, algumas horas depois, me veio o clique compartilho aqui.

Perfeição é um dos aspectos, talvez o mais conhecido, de algo que odiamos e amamos: a opinião alheia. A famosa e temida opinião alheia...

É ela que nos alimenta o desejo de sermos perfeitos. É ela que exige que tenhamos sucesso e escondamos nosso fracasso. É ela que faz com que calemos quando mais precisamos de ajuda: por vergonha. É ela, a opinião alheia, que nos salva e nos condena em graus de polarização extremos.

A pergunta que fica é: podemos, então, viver sem a opinião alheia?

E eu te respondo: você não acha que a pior opinião alheia é a nossa própria?

Como assim, uma opinião alheia é nossa? Não todas, mas a pior, sim, acredito que seja. E, sem querer entrar no âmbito freudiano, eu diria que é o nosso superego. Ou Saturno, se falarmos astrologicamente - uma área que posso falar com mais propriedade.

Desse modo, a pior opinião alheia é aquela nos julga e nos cerceia o tempo todo, tal qual faz Saturno em ciclos, em trânsitos e mostrando sua potência no mapa natal de cada um: umas pessoas têm Saturno aflito, sofrendo aspectos difíceis, causando um desafio ainda maior.

Primeira conclusão que faço: é impossível viver sem a opinião alheia, seja dos outros quanto mais a nossa própria. 

Creio que desde pequenos, deveríamos ser orientados a saber o que fazer com a opinião alheia, quando nos frustramos, quando perdemos, quando fracassamos. Viver é um desafio constante, um aprendizado contínuo. Por vezes, precisamos passar pela mesma lição incontáveis vezes até assimilarmos algo. Em outras, podemos aprender de primeira. Isso varia muito e cada ser humano é um universo tão complexo...

Mas, culturalmente e socialmente, sempre nos é exigido que sejamos melhores que o outro. Que o amiguinho da escola, que o primo, que o irmão. Como se nossa dignidade como seres dependesse unicamente da escala de sucesso em que medimos a nossa vida a cada passo que damos.

Com o tempo e dependendo de cada um, isso toma ares tão intensos e tão perigosos que as rotas de fuga se tornam aquilo que vemos hoje em dia: depressão e suicídio. Todos estão precisando desesperadamente de ajuda, em um mundo onde todos sabem a última vez que visualizamos o WhatsApp ou o Instagram. Isso é tão irônico quanto trágico.

E há solução para isso?

Quando faço esta pergunta para mim mesma, rio. Eu que sempre fui a pessoa das afirmações categóricas, já percebi que não existe nada categórico nesta vida, talvez a morte seja uma das poucas coisas categóricas que possamos ver (exceto quando a pessoa é enterrada viva, sem querer).

Já que não podemos evitar a opinião alheia - (in)felizmente, todos têm a liberdade de pensar o que quiserem sobre o que quiserem - a única opinião que podemos e devemos controlar é a nossa própria e, não por coincidência, é a pior de todas. 

A nossa opinião sobre nós mesmos traça limites tênuos entre ajudar e prejudicar, quase nunca sabemos diferenciar. Eu diria que o patamar mais perigoso que podemos atingir - e falo de mim mesma, com propriedade - é a soberba. Ou seja, quando nossa opinião nos coloca em um nível de superioridade em relação a todos os outros nos mais diversos assuntos.

Isso não quer dizer que não devemos ter autoestima. Creio que autoestima é valorizar nossas qualidades e compreender nossos defeitos e não supervalorizar nossas qualidades e passar a mão em nossos defeitos, porque eles fazem da "personalidade".

Eu cometi a soberba. Não à toa, de acordo com a igreja católica ela é o primeiro e o pior pecado capital, pois fez os anjos se rebelarem contra Deus. Não precisamos entender de religião para imaginar o perigo desse caminho.

Eu cometi soberba profissional e, pra estragar de vez, cometi soberba espiritual. Um dia entro nesse assunto.

Acredito que todos nós, em algum nível, em algum setor da nossa vida, cometemos soberba. Não existe ninguém tão humilde que não tenha o coração acelerado quando percebe que é melhor em alguém em alguma coisa. E não precisa vir ninguém te dizer isso - se vier, nossa, melhor ainda - mas o simples fato de você VER já pode ser o suficiente para você adentrar um terreno perigoso em uma estrada que vai te deixar bem perdido.

Esse assunto dá pra prolongar bem... pensei em citar uns filmes, quem sabe faço numa continuação desse post. Por ora, acho que já basta dizer que não é a toa que o ESPELHO é o melhor amigo e o pior de inimigo para muitas pessoas. Na ausência dele, espelhamos em outras pessoas. Tem sempre alguém melhor, tem sempre alguém pior.

Seja em qual situação for, o que esse espelho nunca nos diz é sequer um minirresumo da pessoa, tipo um abstract no começo do trabalho acadêmico, um texto de cinco linhas para ver um filme na Netflix. O que vemos nunca traduz a realidade do outro. Traduz a nossa própria?

Dois packs de cerveja depois, vamos deixar a conversa para depois?

Um comentário:

aline naomi disse...

"... talvez a morte seja uma das poucas coisas categóricas que possamos ver (exceto quando a pessoa é enterrada viva, sem querer)." >>> ri disso aqui =)

Gostei desse texto, acho que quando a gente é mais jovem é mais fácil sermos soberbos, nos acharmos o máximo em algum aspecto. Mas depois parece que vai deixando de ter importância. Aos poucos estou aprendendo a focar no que é importante PRA MIM, independentemente do que os outros pensam. Concluí que é meio isso: "Quanto mais eu sei quem sou e o que quero, menos as coisas me aborrecem", é uma fala do personagem do Bill Murray (mais ou menos isso, não sei de cor) em "Encontros e desencontros", um dos meus filmes preferidos. Tudo nesse filme meio que fala de coisas impermanentes, como a vida, então penso que preciso aproveitar o que gosto, o que julgo importante, enquanto ainda estou viva.

Falo como se fosse fácil, mas sei que não é fácil. Encontrar um equilíbrio que nos deixe confortável a ponto de as coisas externas (pessoas, situações) não nos perturbarem tanto a ponto de nos deprimir ou paralisar. Bom, de qualquer forma, é minha meta e estou tentando.