Durante a pré-adolescência vivi um pouco do estigma de ser japa, morando num bairro de periferia que nunca tinha visto olhos puxados antes. Daí criei minha primeira característica: não sou aquele tipo de japa que só anda com japa. Pois acreditem: o separatismo oriental existe. E chega a ser radical em algumas pessoas, que só compram produtos e serviços de japas.
Passei uns mal-bocados, mas nada que se compare aos três anos do colegial em plena adolescência. Se houve um teste em minha vida para eu não me matar em plena fase áurea dos hormônios bombando, foi essa! E eu não me matei, embora tenha sido nessa fase que mais pensei com força que poderia me jogar na linha do trem. Seria uma morte brega.
Nessa época, tive duas amigas mais próximas: Elisabeth e Rosana. Por coincidência ou coisa do destino, nosso amor em comum era a literatura. Um pouco teatro e um pouco música. A Rosana tinha uma guitarra vermelha lindona e dedilhava Guns n’ Roses. Montamos uma peça de teatro. Eu participei de concurso de poesias. Foi frutífero para o meu intelecto.
Porém, eu já sabia que era lésbica e não conhecia ninguém que fosse. E não sabia como falar disso. E eu era uma japa zoada violenta e diariamente por moleques com espinhas na cara que – em grupos – se achavam os reis e os melhores. Como o bom e típico adolescente.
Àquela altura da minha vida eu tinha aprendido algumas coisas, embora sem conseguir enumerar da forma como faço agora: o silêncio é de ouro. Conhecimento é poder. Eu posso viver comigo mesma, com milhares de segredos, transcrevendo minhas angústias e dores em forma de poesia (nessa época eu chegava a escrever quase dez poemas por dia). Um dia, o meu dia vai chegar. Ninguém está comigo, não porque é impossível, mas é porque não existe outra forma agora.
Então, como sempre falo por aqui, desenvolvi um aguçado sentido de observação. Por ser tímida, por estar deslocada de quaisquer grupos que me aceitassem como eu era (e eu sempre fui uma garota normal! Apenas era meio nerd e japa). E, principalmente, porque sempre tive um conjunto que destoava da maioria. Desde cedo, poucas pessoas me aceitaram pelo que sou. E não porque eu era esquisita, mas porque eu não me encaixava naquilo que era o senso-comum e igual a todos. Começou com o fato de ser japa. Continuou com o fato de ser lésbica. E assim foi aumentando.
O que antes era um fardo, foi sendo assimilado por mim como necessidade de sobrevivência. Eu não conseguia me adaptar ao que a imensa maioria queria. E o que sobra para aqueles que ficam de lado e são ridicularizados? Depressão? Assassinos em série, como nos EUA? É um teste que a vida proporciona e poucos conseguem atravessar sem graves sequelas.
Aí entra o papel salvador da minha mãe que consolidou a base que eu já tinha: autoestima e independência. Minha mãe, de quem me orgulho muito, sempre me disse que tínhamos de ser independentes, desde as coisas mínimas até as maiores. Que não precisávamos de um professor para ensinar, bastava olhar e tentar sozinho que vc conseguiria! Que rica lição! Minha mãe dizia que nunca precisaríamos depender de ninguém se tínhamos a capacidade de aprender. Claro, ser humilde sempre, mas nunca se sujeitar à alguém apenas porque vc não é capaz de fazer sozinho.
Quantas pessoas por aí têm a sorte de ter a mãe que eu tenho? Claro que essa semente que ela plantou demorou a brotar, a crescer e a se tornar a árvore frondosa que ela é hoje em dia.