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Sobre a morte

No dia 30 de março de 2021, meu pai morreu em decorrência de um AVC que ele teve cinco meses antes.

Antes disso, vi a morte algumas vezes, quando minha tia morreu, em 2000, após um câncer violento. Vi outras pessoas falecerem. Flertei com a morte eu mesma. Conheço uma pessoa de quem vi as cicatrizes de sua tentativa de suicídio.

"Quicker and easier than falling asleep."

E sempre observei a forma como as pessoas lidam com a morte e, consequentemente, com o ato de morrer. Confesso que sempre senti fascínio por esse sentimento que varia tanto conforme a pessoa. Na minha modesta opinião, os que mais temem a morte costumam ser os mais apegados à matéria - seja ela palpável ou não.

Morrer é apenas mais um passo na nossa cadeia evolutiva. Mas o fato de não sabermos se dói, se acordamos depois, o fato de deixarmos tudo para trás causa uma impressionante angústia nas pessoas. O fato de acompanhar todos os passos desde o último respiro de vida do meu pai, seu sepultamento e a reação das pessoas ao saberem que um idoso de 80 anos morreu de um infarto, após passar cinco meses sem andar e dependendo totalmente de outras pessoas para praticamente tudo (exceto comer) - me fez observar o que me era dito, não dito. Palavras de pesar, reflexões compartilhadas, providências tomadas.

Acredito que a maioria não acredita em nada: do tipo, morreu, acabou. Do pó viemos, ao pó retornaremos. A pessoa morreu, a vida segue.

De fato, morreu está morto. Mas compartilharei meus primeiros sentimentos: eu flertei e quase casei com a morte por duas vezes nos últimos dois anos de minha vida. Pensei: teria sido assim se fosse eu a morta e não meu pai? Eu veria as pessoas lamentando com a minha mãe e minha irmã o fato de eu ter me suicidado?

Pensei muito isso. Mas já passou. E passou porque decidi engrenar uma fase nova em minha vida bem antes de meu pai morrer. O fato de ele morrer em meio a uma pandemia mundial - mas não morrer por causa dela - por outros fatores parece mexer ainda mais com as pessoas, em especial as com mais idade. Como se a morte escolhesse alguém por faixa etária...

Na realidade, o grande fardo de alguém morrer jaz com os que continuam vivos: seja pelo pesar de não ter feito algo, dito algo, guardado rancor. As oportunidades se foram e efetivamente não voltam mais. O arrependimento é uma eterna e amarga bala a ser chupada todos os dias, se a pessoa não decidir cuspir ou engolir de uma vez.

Muitos choram os mortos pela saudade... realmente, é estranho pensar que nunca mais veremos alguém além de uma fotografia (ou vídeo). Se a morte foi repentina, então, esse sentimento é infinitamente multiplicado. E, assim, as pessoas podem viver uma vida inteira sem virar a página, começar um novo capítulo. Nosso apego não nos permite a transformação, talvez, porque pareça uma perda dupla. O que ninguém se lembra é que o que é verdadeiramente nosso nunca é esquecido ou se perde.

Então, fica aqui aquela velha frase clichê: aproveite e faça tudo enquanto a morte não chegar. Dissolva mágoas, resolva situações, fique bem.

Eu sonhei com meu pai no dia em que completou uma semana de sua morte. Não costumo sonhar com mortos ou ter esse tipo de "sonho visita" (minha mãe é que sempre foi a especialista nesse assunto). Mas, por ironia, desta vez fui eu. Sonhei com meu pai surgindo do nada, mais novo, alegre e com uma energia positiva como nunca o vi em vida (ele sempre tinha cara fechada, feia e exalava uma aura densa e carregada) em uma casa que parecia com a que moro porém mais nova. Ele veio e disse "voltei, estou bem". Fiquei tão assustada com a situação que não consegui me expressar. Tudo era normal e natural e eu ainda pensava que tinha visto ele ser enterrado poucos dias atrás. Foi um sonho nítido que certamente eu nunca mais esquecerei. O que significa? A interpretação fica por conta de cada um. Se foi meu subconsciente me dizendo ou não o que eu queria ouvir (e nem sabia, claro) - não sei. Mas gostei de ver meu pai, uma última vez, de uma maneira como não o tinha mais visto havia tanto tempo que nem lembrava mais.

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