Quando mais um gatinho vai pro céu dos animais...
...
Ontem fez uma tarde tão fria e agradável de outono em São Paulo.
O silêncio reverberando pelas paredes de uma casa que, em breve, não será apenas ocupada por mim. O outro silêncio — finalmente! — reverberando dentro do meu ser. Uma sinfonia tão harmônica de silêncios... que me trazia uma sensação profunda de paz. Eu fiquei totalmente pronta para escrever, enfim, o tão famigerado (primeiro?) post que estou pra escrever desde 23 de dezembro do ano passado.
Mas...
Life has a funny way to sneak up on you...
Or not so funny this time.
Tentando manter meu foco para finalizar mais um trabalho de tradução, eram mais de oito e eu estava prestes a terminar o dia jantando e trabalhando. Super saudável (modo irônico), mas eu estava bem e feliz. Queria finalizar a cota do dia para finalmente descansar.
No entanto, fui chamada pelo meu vizinho, uns minutos depois, a sopa de feijão ainda fumegando na tigela. "Cris, tem um gatinho morto atropelado na frente da sua casa".
Fui correndo. Meus não eram porque meus gatos nunca tiveram acesso à rua. Assim como deveria ser com todos os animais que já foram adotados, em especial.
Na calçada de uma noite fria, um corpinho jazia com muito sangue ao redor. O vizinho estava com visitas e todos estavam ali, ora olhando o corpinho do gato, ora olhando para mim. Senti que estavam esperando que eu dissesse algo. Xingasse? Dissesse que conheço? Chorasse? Não sei. Apenas me mantive em silêncio por alguns segundos, alguns pensamentos e o principal deles "ao menos, morreu na hora"
Soa meio cruel dizer isso, mas pergunte a qualquer ONG protetora de gatos sobre como é manter um abrigo. Não basta empatia pelos animais e boa vontade. É preciso conhecimento de finanças, marketing, bons contatos. Trata-se de uma empresa de dificílima gestão.
Mas, naquele momento, eu apenas pensei que ele deveria ser o gatinho de um tutor irresponsável que ainda não aprendeu que gatos não podem ir à rua. Nunca.Voltei, peguei um saco de lixo, retornei e acolhi o corpo. Ainda estava quente, com um pouco de rigor mortis mas não o suficiente para não se curvar em minha mão. Me despedi dos vizinhos que fizeram a gentileza de lavar todo o sangue que havia ali. Amarrei o saco e deixei no canto, pois no dia seguinte, era dia de lixeiro.
Entrei dentro de casa e desabei a chorar.
Uma vez, em 2021, quando eu e minha mãe (ainda estava viva) começamos a alimentar os gatos de rua, uma rota foi traçada em casa. Desde então, eu sempre deixo um pote de comida e um pote de água na garagem e um acesso para eles entrarem e saírem. É um local de alimentação. Mas a rua onde eu moro é muito movimentada, em especial, em algumas horas do dia e nos findes. Toda vez que escuto uma moto acelerando ou um microonibus passando a mil, eu rezo para que os animais estejam protegidos na calçada. Afinal, nem os seres humanos mais estão, já viram o tanto de atropelamento sobre a faixa de pedestre tem acontecido?
Chorando, eu fui recebida pelos meus quatro gatos. Conheço intimimamente a personalidade de cada um deles e todas as mínimas nuances que eles me mostram. E, naquele momento, eu percebi que, do jeito felino deles, todos estavam cientes do que tinha acontecido.
Perdi a fome. Perdi a vontade de escrever o post que queria ter escrito.
E lembrei de quando, ainda em 2021, uma gatinha que eu alimentava morreu atropelada também. Eu também acolhi o corpo.
Eu ainda não sei o que é a perda de um peludo, ainda não vivi esse luto.
E mesmo convivendo com a dor de saber que todos os gatos que sempre visitavam aqui e depois nunca mais apareceram provavelmente partiram, eu tentei fazer o máximo que pude, com os recursos que posso oferecer. Amo todos os animais mas os felinos, em especial, ainda mais os pretos, são seres que eu tenho profunda conexão. Se eu puder, ao menos, deixar uma barriguinha cheia, terei contribuído com algo.
Cuidem bem de seus gatinhos. Eles nunca precisam ter acesso à rua. Apenas ao seu amor e cuidado verdadeiros.
PS: a foto é do perfil de Jenny-Jiya. Uma artista que desenha animais com histórias que nos emocionam muito. Leiam o post completo de onde tirei essa imagem. Link aqui.
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