E eu fui assistir ao filme "Mulholland dr." no cinema!!!
Passaram-se pouco mais de 24 horas do dia 30 de abril de 2025 — o dia em que finalmente (!!!) fui assistir ao filme Mulholland dr. no cinema, oficialmente, pela primeira vez. (A vez anterior foi em uma mostra sobre o expressionismo no cinema, lá no CCBB, em 2005, ou seja, exatos vinte anos atrás.)
Ontem, foi um dia planejado na véspera, diferente dos meus passeios que costumo programar com muita antecedência (agenda de quem é MEI sabe como é.... rs). Havia duas semanas da reestreia do filme em 14 salas no Brasil, agora em uma versão restaurada em 4K (e como é mostrado logo no início da exibição, supervisionada pelo próprio David Lynch, em 2001, junto com a remasterização do som também) e eu estava temerosa de que o filme não durasse muito tempo em exibição por motivos de... obviedade.
Então, aproveitei que precisei resolver uma pendência pessoal e comprei um ingresso online, no único lugar onde queria ver o filme, o Espaço Petrobrás (antigo Espaço Itaú e Espaço Unibanco pros antigos). 30/04, 16h10, sala 2.
Aproveitei para passear em plena tarde outonal de uma quarta-feira pelas ruas da capital. Fazia muito tempo desde a última vez que tinha feito isso. Considero um privilégio único e extremamente prazeroso poder sair para passear, sozinha, almoçar uma feijoada vegana, tomar um gelato e um expresso e finalizar o dia vendo o filme número 1 da minha lista pessoal de filmes favoritos.
Aproveitei para ouvir, observar as pessoas ao meu redor. Gostaria de ter conversado com algum provável e inusitado cinéfilo que, como eu, ama esse filme e o cineasta? Sem sombras de dúvidas. Mas, não tinha. Apenas grupos ou duplas que estavam ali, tomando um café, tendo uma conversa agradável (sem reclamar...) aguardando a sessão começar. Então, na falta, continuei observando quem estava ali, da mesma forma que eu, curtindo uma tarde no meio da semana para ver um filme qualquer legendado.
Ansiosa como sou, cheguei cedo, exatamente uma hora antes do filme começar. Tomei meu café, fiquei observando, começando a me lembrar de como tinha sido a vez anterior e única quando vi o filme. Me senti tomada, aos poucos, por uma sensação antiga e familiar, toda especial, de quando era uma cinéfila ávida e ativa, curiosa por todos os filmes mais atípicos que entravam em cartaz, por mostras internacionais de cinema. Lembrei de como é viver toda a expectativa de se sentar em uma sala de cinema sabendo que você verá uma obra-prima.
Fiz minhas selfies na frente do cartaz digital. Foi quando as lágrimas começaram a escorrer pelos meus olhos.
David Lynch não está mais entre nós, infelizmente. Mas um pedaço dele, sua obra, estava ali prestes a ser reexibida, uma belíssima homenagem a um cineasta que nunca foi plenamente compreendido e reconhecido. Me senti muito privilegiada por não ser essa pessoa.
Logo, a moça da bilheteria me chamou. Quando a sessão anterior terminou, quatro pessoas saíram da sala. Segue aqui o meu diálogo com ela.
"Qual foi o filme da sessão anterior, foi Cidade dos Sonhos?"
"Não, foi Vitória."
"Ah, entendi. Vi apenas quatro pessoas saindo. E Cidade dos Sonhos, tem muita gente vindo ver este filme?"
"Na primeira semana, tinha bastante. Esta semana tem bem menos pessoas."
Agradeci e entrei na sala. Poltrona J7. Lugar perfeito.
Alguns minutos depois, a moça volta falando comigo.
"Oi, eu esqueci de te falar. Você foi sorteada para ganhar o kit." Disse enquanto me entregava uma ecobag — a mesma que tinha visto em seus braços logo quando tive aquele breve diálogo com ela.
Olhei incrédula, emocionada e agradecida para ela. Agradeci muito, aliás.
Abri a ecobag e vi um papel enrolado preso num elástico. Abri e me deparei com um pôster estilizado de Naomi Watts reflexiva sentada na cama. Junto, um ímã de geladeira com o pôster clássico do filme. Comecei a chorar de novo. Desde a semana passada, tinha comentado com a Flávia que ia pedir o pôster para alguém me doar. Aí me lembrei que hoje em dia não tem mais material de divulgação em papel. Relembrei isso uma hora antes e... fui agraciada com esse presente único!!! Sorteio? Como assim? Qual foi o critério para terem me escolhido? Será que foram as selfies que fiz que foram vistas pelas câmeras de segurança? kkk Perguntas que ficaram passando naqueles milésimos de segundos dentro da minha agitada cabeça.
Assim, depois que cerca de 10 pessoas (além de mim) entraram na sala, o filme começou. Respirei fundo...
Todos estavam bem espalhados, exceto uma moça que se sentou uma cadeira depois de mim, à minha direita. Pensei: espero que não me atrapalhe neste momento mágico que vou viver nos próximos 147 minutos.
Mal começou a primeira cena do filme, voltei a chorar. Para quem sabe, ali não tem cena emocional nenhuma. Porém, a trilha sonora de "Jitterbug" ecoando nas caixas acústicas me fez ter a certeza absoluta que, sim, eu estava vendo Mulholland dr. na tela do cinema!!! Cinco minutos se passaram até minhas lágrimas pararem de escorrer.
Aqui, não darei spoilers do filme, caso algum leitor ainda não o tenha visto.
O filme se seguiu quando percebi a moça do meu lado bocejando. Mexendo no celular, nitidamente entediada. Na frente, um idoso começou a bocejar... muito alto! Muitas vezes. Logo, uma mocinha se levantou e foi embora. Uns minutos depois, um rapaz também se levantou e foi embora.
Essa cena me fez lembrar quando vi Inland Empire na 31ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, lá em 2007. O filme tem três horas de duração, nenhuma ordem sequencial de roteiro, assemelhando-se a um sonho onde as coisas vão acontecendo e você não tem ideia do que pode vir a seguir. Me lembro da quantidade grande de pessoas se levantando e saindo. Se você que já assistiu a Mulholland dr. acha o filme difícil de compreender, Inland Empire eleva isso a milionésima potência porque não tem o que ser compreendido, o filme parece um puro retrato do fluxo (in)consciente criativo de David Lynch. Eu mesma só vi o filme duas vezes. Preciso colocar na lista para rever!
Porém, o povo gosta de cenas de sexo, como sempre, né? Durante a famigerada cena entre Naomi Watts e Laura Elena Harring (que, ao rever, me fez compreender uma nova camada interpretativa que eu não tinha me dado conta até então!), os bocejos acabaram. Eu posso dizer que até senti a energia da sala mudar.
A partir dessa cena, voltei a chorar de novo. E chorei ali pelos minutos seguintes. Porque voltar a refletir sobre "no hay banda, it is all an illusion" me fez lembrar da última vez que vi o filme, a pessoa com quem vi o filme, a circunstância que vivia quando revi o filme e a evocação de todas essas memórias associada ao momento de catarse e turning point do filme... eu só podia chorar mesmo. Muito. E eu me deixei levar completamente pelas lágrimas como se estivesse vendo o filme pela primeira vez. A magia das obras de arte magníficas e atemporais!!!
Na "segunda parte do filme" não chorei mais, embora minhas lágrimas insistiram em cair ao rever, na tela do cinema, a atuação impecável de Naomi Watts que, até então, era uma total desconhecida em Hollywood. Aspirante a ser "estrela de cinema" tal qual seu personagem, Betty Elms/Diane Selwyn. Naomi está simplesmente soberba. Lembrei de TODOS os vídeos com bastidores, entrevistas, reviews lidas e alguns dos posts que escrevi aqui, todas as conversas que tive com as pouquíssimas pessoas que se dispuseram a discutir o filme comigo. Quantas espectadores choraram ao ver Mulholland dr.? Eu, apenas, talvez? Todos aqueles que também se conectaram emocionalmente?
O que me surpreendeu foi que, durante o filme, eu fiz novas conexões interpretativas que eu não tinha feito antes. Ou seja, as obras de artes são assim, refletindo as nossas mudanças internas ao permitirem que façamos novas camadas interpretativas, descobertas únicas — uma nova peça do quebra-cabeças compondo a imagem total — delineada.
Deixarei aqui alguns links (alguns já previamente compartilhados aqui, mas recompartilharei) que eu vi e aprovei sobre o que foi falado do filme. Acho que todas as críticas e todos os reviews são válidos — como o próprio David disse e eu concordo plenamente com ele — cada um entende e interpreta o filme do jeito que quiser, eu não tenho que dar a minha versão da história, cada um tem a sua própria. Então, baseado nisso, esses links seguem a linha do que eu achei mais coerente ser dito sobre o filme.
1. Entrevista com Naomi Watts e David Lynch para os extras de Mulholland dr. quando saiu em Blu-ray.
2. Um vídeo de um cara analisando soberbamente o filme: The terrible secret of Mulholland dr.
Quando o filme terminou, eu ainda esperei os créditos subirem, as pessoas saírem... aquele momento mágico tinha terminado e, como sempre, como foi maravilhoso estar na companhia de David Lynch.
Aquelas emoções todas vividas, tudo que vi... tudo registrado em minhas retinas e em meu coração. Lá fora, na Augusta, a vida seguia na noite outonal fria, com seus barulhos, ritmos, velocidades e demandas sempre iguais. Porém, dentro de mim... ah! Eu já não era mais a mesma pessoa de antes do filme.
E como poderia ser?
Caso alguém queira ler o que já escrevi sobre David Lynch (e Mulholland dr. também) clica aqui.
Ao longo do post, os textos destacados são todos links clicáveis que cuidadosamente separei caso você tenha curiosidade em ir um pouco mais além...
Comentários
Que alegria saber que você ganhou O KIT!! Fiquei com a sensação de que era pra ser seu, porque ninguém mais valorizaria tanto esse presente. <3
Vamos resgatar nosso espírito cinéfilo (estou tentando :)